Herança

Agora a casa está vazia.

Folhas do abacateiro formam um tapete no Quintal.

A corrente enferrujada no portão enferrujado.

Alguns Santos pendurados na parede.

O guarda roupa em um quarto, uma cama em um outro.

O velho armário na cozinha.

A estante amarela modelo 2003 comprada com o primeiro salário do primeiro emprego. E com a mudança de cargo as reformas na cozinha, o piso novo, a restauração da instalação elétrica. Tarde demais.

Quem mais pedia tudo isso não está mais ali.

Porque agora não há mais disputa. Nem briga, nem vozes, nem festas.

A tia que penteava o cabelo da sobrinha no primeiro dia de aula não viu a festa de formatura do colégio.

A sobrinha que morava ao lado nunca mais viu a tia que deu banho na banheira de bebê e que dava aula na sala ao lado da sala dela na escola.

O pai dela não soube que nasceu uma sobrinha com os olhos de sua mãe. Não quis nem saber.

Não tem conta de luz, de água, nem boleto das casas Bahia atrasado, mas também não falta mais carne nem feijão porque nada tem mais.

Aquela gente que estava nova nunca mais voltou a se reunir em um novo retrato.

Não tem mais barulho, nem vozes. Nem latido. Tem uma gata de rabo torto que escolheu o silêncio para ali ficar. Ninguém sabe de onde veio. Ninguém vai lá ver.

Algumas vezes alguém lembra que tem que levar o pai para dizer que tem alguém que gosta de dele. Que dia é hoje? Como é o seu nome? Todos os dias são iguais.

Envelhecer é morrer um pouco a cada dia todos dias morrendo antes quando o.mundo que conhecemos deixa de existir antes de nós.

Mariana Montejani
Enviado por Mariana Montejani em 15/08/2019
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