Canyons
Vão falar da minha aparência.
Sim, Charlie, eles vão reclamar do meu cabelo grande.
E vão criticar a minha alimentação.
Vão dizer que eu deixei de me cuidar,
Que eu deveria diminuir o álcool,
Que eu não deveria ter feito aquela tatuagem,
Você lembra?
Quantos anos ela já tem? Eu não sei, Charlie, eu não sei!
Eu parei de contar.
O lobo cinzento.
E vão dizer que sumir é doentio,
Que é ruim escolher ficar sozinho.
E em parte eles têm razão.
Mas, apenas em parte.
Sendo assim, considero-os enganados.
É, Charlie, eles estão enganados!
Como pode uma pessoa falar de solidão sem antes conhecê-la? Sem ouvir o que ela tem a dizer?
Você transaria com uma dama sem verificar se a arma que ela carrega na cintura estava sem balas?
Não, Charlie, você não iria vacilar!
Mas eles não! Eles esperam o primeiro tiro!
Eles esperam o primeiro tiro porque estão carregados de bala até os dentes para nos acertar.
Falam sem saber do que falam.
Sim, muita coisa deu errado.
Você viu o que aconteceu com aquele cara do Alice in Chains?
Você queria aquilo, Charlie? Você acha atraente não é?
Lá no fundo você queria algo parecido, eu sei disso.
Acontece que não é para todo mundo.
Há quem não a suporte, estes não devem tocá-la.
Sendo assim, devem ficar longe.
Antes que ela decida o que fazer com a sua vida.
As escolhas que eu fiz foram as mesmas que você fez em 1956.
Isso tem me levado para o mesmo inferno que o seu.
Mas, por mim tudo bem.
Eu me sinto bem aqui.
E o meu cabelo, decidi não cortar.
O barbeiro vai lamentar pelos trocados a menos.
Mas eu vou aproveitar uns fios a mais.
E aquelas pessoas nunca vão entender as minhas escolhas.
Até porque não são as que elas desejavam que fossem.
Com isso, levo em conta que o jogo é jogado.
Você pode até me chamar previsível.
Entretanto, do meu lado do tabuleiro eu dito as regras.
Ontem de madrugada eu sentei no sofá
E peguei aquele seu livro, o Notas.
Era tarde, quase quatro da manhã.
Estava sem saco para leitura
E considerei um ato de nobreza ficar apenas observando a capa,
Em silêncio.