O prego na parede

À tarde, sob o sol inclemente de janeiro, as pipas predominavam no céu azul, lindo. A minha, dos primos e colegas também estavam no céu, mas, confesso, o cruza nunca foi o meu forte. Talvez pela falta de prática, creio.

Boqueira, Coelho, ..., eram alguns dos deuses locais; bonitas, multicoloridas, lá longe, lá nas grimpas; de repente, caiam sobre a gente com seu cerol invencível, fino; tal qual o gavião sobre as aves menores, indefesas. De repente, o cabresto de rabiola! Acabava-se pra gente.

Vinha a noite. Ah, se eu pudesse parava o dia. Mas não podia e vinha a noite, e com ela os meus medos. Deitado no chão da sala, contígua ao quarto de minha avó, juntamente com alguns de meus irmãos, às vezes acordava altas horas – agora quando lembro acho graça, puxa vida – e sob a iluminação de querosene imaginava mil fantasmas, monstros hediondos.

Aquele prego – ah, meu Deus, aquele prego – cravado na parede bailava sob o comando da chama do lampião. Ora uma cobra que se arrastava parede abaixo, ora espíritos que bailavam gozando o meu estado, mudo, tenso, apavorado. Às vezes, juntamente com o fantasma do prego, vinham os barulhos que não incomodavam ninguém, só a mim. Ora sobre o telhado, ora na porta. Seria um ladrão? Um lobisomem? Nunca soube. Talvez fossem só os cachorros e os gatos.

Mas a noite ia, escorria, pouco a pouco, com todos os seus fantasmas, suas cobras, seus espíritos, seus lobisomens, mas ela ia. Pra mim, sob o domínio do medo, não eram noites e sim séculos. Qual não era a minha alegria quando espreitavam pela falha das telhas, ou pelos furos no zinco, os primeiros raios de sol.

Adeus noite! Volta para o teu túmulo e carrega contigo todos os teus fantasmas! Com o sol, campeão da vida, chegava o dia, e, novamente, as pipas soberanas no céu azul. Mas o dia ia..., vinha a tarde e depois a noite. Ah, não havia jeito, ela vinha sempre. Deitado, esperava, sinceramente, dormir a noite inteira. De um só ronco. De um só sono. Juro que esperava.