MARIONETA - Texto Dramático

Personagens:

Bernardo – Pai

Sofia – Mãe

Biatriz - Filha

Sebastião- Amigo da família

Professor X

Sombras

(Palco ou espaço alternativo amplo. Do lado direito de cena um enorme ecrã de sombras chinesas. Do lado esquerdo uma sala com um sofá desgastado, ao lado uma mesinha redonda, com um naprom de croché é uma foto da família. em frente uma televisão antiga, num móvel baixo de madeira. ao fundo uma porta que dá para o interior da casa. A marioneta avança no ecrã da esquerda para a direita de cena com a ajuda de um humano.

Bernardo avança com as suas muletas da direita para a esquerda de cena. Chega a casa.

Vem em direcção à boca de cena e age como se estivesse em frente a um espelho.

Liga a televisão. Olha interessado e senta-se no sofá.)

Bernardo – Sofia! Onde estás tu? (Silêncio.) Parece que nem cheguei a casa... Sofia! (Silêncio.) Daqui a pouco vem perturbar a minha paz... Mulher maldita!

(Sombras aparecem no ecrã durante o discurso do Professor X.)

Professor X – Percorrendo caminhos sombrios

a marioneta procura descanso...

Descanso de si mesma... do peso do seu corpo... da sua falta de agilidade...

O seu olhar percorre a multidão à sua frente... tenta encontrar um rosto amigo...

O seu sofrimento passa despercebido...

A indiferença que a rodeia deixa-a prostrada...

Mais um dia termina...

Bernardo – Sofia! Sofia! Despacha-te! Quero mais uma cerveja...! Ou vais fazer-me ir buscá-la...

(Sofia aparece. Figura frágil e submissa. Deixa uma cerveja em cima da mesa cheia de cervejas vazias.

Diz algo a Bernardo:)

Bernardo – Que dizes?! Como te atreves! Mulher ingrata... Pois fica sabendo que fui a pelo menos três entrevistas e ainda passei pelo centro de emprego. Isto está mau Sofia... muito mau...

(Sofia diz-lhe algo e sai. Bernardo levanta-se.)

- Tu não me chames de preguiçoso. A casa é da tua responsabilidade. Assim era no tempo da tua bisavó, da tua avó e da tua mãe e na minha família era igual. Sofia não seremos nós a mudar essa tradição. Já agora por onde anda a Biatriz? ( Silêncio. Senta-se e bebe um golo da cerveja. Começa a mudar os canais de televisão.) Porra que não há nada de interessante na televisão. Noticiário... Noticiário... É só noticiários!

(Sombras aparecem no ecrã durante o discurso do Professor X.)

Professor X – Na sua solidão perscruta o coração humano...

Tenta encontrar nele a tão falada “humanidade”...

Cada vez menos sabe o que tal significa...

A marioneta escuta... escuta...

Procura sentir o bater de um coração...

Ouve tantas vezes dizer: “ – Parece tão humana!”

Ela sabe que metafóricamente bate um coração dentro de si...

Mas que tipo de coração?

Um coração que muda conforme o humor de quem o controla.

Uns dias mais ...

Outros dias menos...

Quase um coração humano... Inconstante...

(Bernardo dormita em frente à televisão. Entra Sofia com uma faca na mão, passa por detrás do cadeirão e sustém a faca sobre a cabeça de Bernardo.)

Professor X (voz off) – O fio da vida e da morte pende sobre a marioneta...

(De repente encosta-a contra o peito e sai. Silêncio. Bernardo acorda assustado.)

Bernardo – Huiiii... que calafrios!

Deve ser a bebida a afectar-me o sono... Podia jurar... Podia mesmo jurar que estava alguém atrás do sofá. Só elas as duas é que estão em casa...!

Foi um maldito pesadelo! Sinto-me sufocado...!

(Pega numa cerveja mas está “morta”. Refila.)

- Sofia! Mulher maldita tráz-me outra cerveja. Sinto-me seco...

(Parece escutar a voz de Sofia.)

- Que dizes mulher?! Bebe água! Água Sofia... Água! O médico! O médico diz que faz bem? Então ele que a beba... Tu e esse médico querem é matar-me. E essa cerveja vem ou não?!

(Sofia entra com a cerveja. Tenta levar algumas garrafas para deitar ao lixo mas bernardo impede-a.)

- Deixa-as aí... gosto de as ver em quantidade. Fazem-me sentir abastado... Parecem esculturas! (Ri.) É a minha arte! Sinto-me um autêntico artista!(Ri.)

(A campainha toca. Sofia vai abrir. Entra Sebastião, amigo de Bernardo desde a infância. Sebastião nutre uma paixão secreta por Sofia.)

Bernardo – Sebastião! Bons olhos te vejam! Vieste ver como estou?

(Levanta-se e acerca-se de Sebastião.) Estou ainda como me viste da última vez que aqui estiveste... Mal disposto e desempregado. (Vira-se de costas para Sebastião) A Sofia acha que não tenho feito o esforço suficiente... (Escuta Sebastião.) O quê?! Tu também! A Sofia não devia de te ter pedido para cá vires. És meu amigo mas a vida é minha. Só me faltava descobrir que estás do lado dela. Malditos sejam! Não confiam em mim?! Acham que saio de casa sem rumo... sem destino... (Furioso.) Ainda se questionam porque bebo tanto: é para ter forças para aguentar a vossa mesquinhez e falta de confiança...

(Sombras aparecem no ecrã durante o discurso do Professor X.)

Professor X – A marioneta vitimiza-se...

Sente-se bem nesse papel.

A origem da culpa é muito vasta.

É social, é familiar...

É uma fase de crescimento interior dissimulada...

A marioneta perde-se tentando encontrar-se...

Encontra-se tentando não se perder...

Aos poucos ela vai ganhando forças para avançar...

Aos poucos os seus fios ganham vida...

Alimentando os nossos sonhos.

Sobre ela pende o fio da vida e da morte.

(Apenas Bernardo e Sofia que limpa a casa. Bernardo encontra-se a beber uma cerveja e a mudar os canais de televisão.)

Bernardo – Não está a dar nada na porcaria da televisão. (Levanta-se.) Sabes Sofia... tenho algo a confessar-te... Considero a televisão... (Indeciso.) a minha melhor amiga. Só fala do que me interessa... Quando quero desligo-a e não me importuna mais... Ao contrário de ti, só me faz sentir bem... (Felicidade.)

(Sofia sai. Gritando para Sofia ouvir.)

– E ao contrário de ti não me deixa a falar sozinho... (Para si mesmo.) Ingrata...

(Entra Biatriz, a filha, com quem Bernardo nunca conseguiu manter um bom relacionamento. Sente-se nele um certo desconforto.)

Bernardo – Biatriz... Estás aí... nem reparei que tinhas entrado filha... (Levanta-se.) Sabes Bia... tenho pensado em nós filha... quero dizer em ti... Sinto que tenho muito para te dizer mas que por vezes me faltam as oportunidades para o fazer.

(Biatriz diz-lhe algo.)

- Sim tens razão filha (Sorri.), esta é tão boa oportunidade como qualquer outra... e fico feliz que me dês esta oportunidade. Desculpa-me! É difícil começar... Filha sei que ao longo da minha vida tenho cometido muitos erros e não espero que me perdoes... apenas que compreendas... Não sou um homem culto e tenho a certeza que aos olhos de muitos não passo de uma triste figura... mas filha não quero é que sentir-me uma triste figura aos teus olhos... Tu és a única coisa de jeito que fiz em toda a minha vida... a mais importante! Digo-te do meu coração... mesmo que acredites que não tenho nenhum. Não sabes filha, mas desejo-te o melhor da vida!

(Sombras durante o discurso do Professor X.)

Professor X – A marioneta apregoa aos quatro ventos

o desejo de se libertar das amarras

que a prendem a uma vida estéril e dilacerante.

Procura um novo rumo...

Um novo espaço...

Caminha livre.

Bernardo – Amo-te filha... nunca te esqueças... amo-te!

(Sai deixando Biatriz sozinha. Cruza da esquerda para a direita de cena. A sombra da marioneta aparece no ecrã e faz o percurso inverso ao inicio do espectáculo.

VIDEO FINAL – Narrando o destino de cada uma das personagens:)

Bernardo: Depois da sua conversa com Biatriz nunca mais retornou a casa, tendo decidido viajar pelo mundo. Todos os meses envia um cheque a Sofia.

Sofia: Esperou que o marido voltasse. Criou uma ligação forte com Sebastião que a pediu em casamento três anos depois do desaparecimento de Bernardo.

Biatriz: Concluiu o seu curso universitário e aceitou um convite para dar aulas num pais africano.

FIM ou não?

2009

Luena dos Reis
Enviado por Luena dos Reis em 06/08/2019
Reeditado em 14/11/2020
Código do texto: T6714082
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