ESTÁTUA DE SAL
O vento frio soprava sobre as calçadas e ruas
Pequenos papéis, gravetos e folhas arrastados,
Criando uma espécie de sinfonia monocórdia.
Sob a luz fosca de sódio dos postes vi corpos passarem
Vivos ou mortos, não passavam de espectros.
Eu mesmo me via como tal, arrastava-me.
Eolo e Hades conspiravam contra ninfas ...
Nem mesmo o céu, sob nuvens, por testemunha.
Vagava pelas ruas feito morcego, voos desengonçados.
Inveja de libélulas e borboletas com asas de papiro.
Minhas asas não passavam de duros pergaminhos -
Nelas escrevia meus livros sem iluminuras -
E o mesmo vento dos papéis a desequilibrava.
O frio cortante dispersava voos, silêncio de luzes de pirilampos,
Desinteresse de mariposas pelos postes, dormiam nos quiosques.
Ruas quase desertas, salvo ratos, espectros e eu.
O portal do Erebus havia sido arrombado.
No cemitério da Antônio Saes descerravam-se caixas de Pandora -
Não se faz segredo de que todas abertas com esperanças retidas,
Tão retidas, que caminhava desesperançado, indiferente aos espectros,
A Eolo, a Hades e aos papéis que voavam e as folhas chiantes.
O frio cortante fazia dos homens aves encolhidas no ninho,
mas duvido que ali no mundo ainda houvesse algum calor.
As ruas tomadas por espectros e o que restava de mim.
Porque tudo isso poderia ser mentira e algo que se dissipasse,
Dissipasse assim que encontrasse aconchego de um café quente.
Uma velha rameira jazia bêbada no banco da praça,
O coreto em ruínas, ou caramanchão, dela zombava sem dó.
Um poeta juntava papeizinhos na esperança de fazê-los folhas,
mas o vento trazia-lhe folhas sem nenhum papel senão papelão
E espectros se atracavam numa dança lasciva e canibal
E eu me vi, feito esposa de Lot, estátua de sal.