ESTÁTUA DE SAL

O vento frio soprava sobre as calçadas e ruas

Pequenos papéis, gravetos e folhas arrastados,

Criando uma espécie de sinfonia monocórdia.

Sob a luz fosca de sódio dos postes vi corpos passarem

Vivos ou mortos, não passavam de espectros.

Eu mesmo me via como tal, arrastava-me.

Eolo e Hades conspiravam contra ninfas ...

Nem mesmo o céu, sob nuvens, por testemunha.

Vagava pelas ruas feito morcego, voos desengonçados.

Inveja de libélulas e borboletas com asas de papiro.

Minhas asas não passavam de duros pergaminhos -

Nelas escrevia meus livros sem iluminuras -

E o mesmo vento dos papéis a desequilibrava.

O frio cortante dispersava voos, silêncio de luzes de pirilampos,

Desinteresse de mariposas pelos postes, dormiam nos quiosques.

Ruas quase desertas, salvo ratos, espectros e eu.

O portal do Erebus havia sido arrombado.

No cemitério da Antônio Saes descerravam-se caixas de Pandora -

Não se faz segredo de que todas abertas com esperanças retidas,

Tão retidas, que caminhava desesperançado, indiferente aos espectros,

A Eolo, a Hades e aos papéis que voavam e as folhas chiantes.

O frio cortante fazia dos homens aves encolhidas no ninho,

mas duvido que ali no mundo ainda houvesse algum calor.

As ruas tomadas por espectros e o que restava de mim.

Porque tudo isso poderia ser mentira e algo que se dissipasse,

Dissipasse assim que encontrasse aconchego de um café quente.

Uma velha rameira jazia bêbada no banco da praça,

O coreto em ruínas, ou caramanchão, dela zombava sem dó.

Um poeta juntava papeizinhos na esperança de fazê-los folhas,

mas o vento trazia-lhe folhas sem nenhum papel senão papelão

E espectros se atracavam numa dança lasciva e canibal

E eu me vi, feito esposa de Lot, estátua de sal.

Camilo Jose de Lima Cabral
Enviado por Camilo Jose de Lima Cabral em 26/07/2019
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