Insônia

Pupilas transbordam a umidade dos meus olhos sonolentos, persistentes em privar a consciência do desejo. Minha coordenação embriagada passeia pelos corredores a procura de descanso. Alternam-se os sentidos a serem inconsistentes aos instintos, uma mente tão sobrecarregada e obsoleta como uma máquina em seu curto porém infinito padrão.

Acostumei-me por sobrevivência neste ambiente, caçando distrações e respostas provisórias para saciar a fome em cada noite. Caído ao delírio de que o amanhã se afasta a cada passo dado para a sua aproximação, de que desta vez não se erguerá o Sol para iluminar o caminho o qual me desloco até cada variada forma de saída.

Antes de o primeiro pássaro acordar todos os outros na árvore, antes que se intimidem as estrelas pela presença de uma imensuravelmente maior nascendo no horizonte, antes que se ouçam os primeiros passos nas ruas, antes que eu me arrependa de ter escrito estes parágrafos, antes de esquecer-me do que eu fizera quando me despi de disfarces e mentiras, antes que a perda das forças antecipe meu desmaio e o despertar de mais um ciclo.

São estas as horas em que finalmente sou capaz de ouvir a minha voz, pois não há limitações ou regras ditadas que censuram a verdade de suas palavras. Justifica a solidão, transforma-a numa morada segura onde é medicado o coração, postos os esparadrapos em cada ferida aberta d’alma que rastejou até aqui por um longo rumo de solos desconhecidos e desventuras desgastantes.

Através de toda amargura, exaustão nos segundos conscientes, insensatez o qual me submeto, há uma doce poesia como uma recompensa, um alívio tão merecedor que me entorpece a não sentir o rescaldo do impacto, transfigurando a dor em algo meramente ignorável e impotente. E silencio-me enfim, pois sou parte do silêncio, tenho parte em sua imensidão intangível e inevitável.

Desvaneço em melodias, desintegro em versos, afogo-me nas lágrimas que caem a qualquer traço de passado, algemo-me nas ordinárias metáforas, usuais hipérboles- É sempre tão clichê no final. É uma loucura controlada, um incêndio que se intensifica a proporção em que consome sanidade, mas tudo sobre a minha vontade. Então vamos lá, faça o seu pior.

Eu estou ciente de que se expiram os números desta contagem regressiva. É como a cena final de um drama. Encontra a realidade o almejo que plantei em sonhos férteis, a única maneira de verdadeiramente senti-lo concreto. É o que eu quis, sem protestos, por favor. É finalizado o fluxo de sentimentos em um apagão. É encerrada a capacidade de relutar com a trágica felicidade que há em um aglomerado de fumaça branca e pílulas para dormir.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 13/07/2019
Reeditado em 13/07/2019
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