Sensações fantasmas

 
A sutileza do meu grito está presa na garganta. Porque sou feita de carne e fracassos. Diante do espelho não me resta mais nenhum traço reconhecível. Certa Cecilia perguntou em desespero "em qual espelho ficou perdida a minha face?". Eu sinto as pupilas doerem, efeito das lágrimas ácidas. Meu choro é chuva tóxica na plantação das suas euforias. Eu posso te ver daqui, embriagado com as sensações da pele. O aroma do cabelo iluminado que tens em seus braços... eu sou um fantasma preso na catacumba do passado.Meus poros se fecham e não há sudorese ou saliva. Estou seca e fadigada. Escuto Beethoven repetidamente rodar pela cabeça como um disco arranhado porque ele  me ajuda na meditação diária. Não há meditação capaz de adestrar as presas da minha mente. Ela crava os dentes na carne e dilacera tudo. Mas não há mais sangue.

Você está me vendo? Alguém nesse baile me percebe? Não. Esquecida por Deus e pelo Diabo. O que me restam são as almas mortas. Dostievski. Sartre. Woolf. O absurdo da existência. A fragilidade de um coração que parou de pulsar. Eu tento engolir a saliva e a bile gástrica desce queimando. Eu estou prestes a pintar a parede do meu quarto de escarlate ou como dizem, vermelho sangue. É meu último ataque. O último ato.

Aperto o cano do revolver contra o palato mole. Mas estou em frente ao espelho da casa do Sr. Zair. E não tenho arma. Estou delirando. Dissociando-me. Essa sou eu? Esse reflexo prestes a puxar o gatilho? Volto e me sento perto da sua mesa enquanto você se engasga com a bebida e com as risadas. A fumaça do seu cigarro deixa seu rosto nublado, mas tenho certeza que é você. Quem mais usaria chapéu meio torto para a direita e iria gargalhar dessa forma? Aqueles que passam por minha mesa não notam minha presença.

Sou um dos fantasmas preso na catacumba do passado. 
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 08/07/2019
Reeditado em 19/07/2019
Código do texto: T6691463
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