Tava só pensando

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Hoje acordei com o canto do galo. Ainda estava escuro. Levantei bem devagar pra não acordar Jorge e fui pra varanda ver o dia ir chegando preguiçoso. É tão bom agente poder ficar quieta e só na madrugada, ouvindo o silencio do mundo, sentindo aquele friozinho gostoso no rosto. No ar já sentia um cheiro forte de café. Alguém, como eu, já estava de pé apreciando o nascer do sol. Pensei em Francisca e na conversa que tivemos ontem. Pensei em Norminha sua filha que estava que parecia um palito de magra, pelo fim do noivado. Francisca e Norminha parecem fazer parte daquele grupo de mulheres que não tem sorte com homem. Chica casou de empurrão, com barriga de sete meses, e foi a menina nascer pro bandido do Saulo ir embora pro Rio de Janeiro, na desculpa de arranjar um trabalho melhor, mas na verdade, foi pra ficar com uma camarada que ele conheceu quando foi no enterro do tio. Nunca mais voltou, nem pra conhecer a filha que cresceu com a mãe. Chica não arranjou mais ninguém, tornou-se viúva de marido vivo. O Maneco até teve uns tempos de conversa fiada com ela, mas nunca assumiu a pobre, achando que Saulo podia voltar e que ia ficar feio pra eles. Vida mais besta essa! Agora Norminha que já estava com o enxoval todo pronto, aliança no dedo e convite espalhado descobriu que o noivo já era casado em São Paulo e tinha três filhas. É de tirar do sério qualquer pessoa uma coisa dessas. O povo da Santa Cruz, que tem sempre opinião de tudo, se danou a falar que a culpa era de Chica, que não tinha percebido que o rapaz era casado. Como se homem casado tivesse uma marca na cara pra todo mundo saber! Mas o caso é que a culpa tem que ser sempre da mãe. Ainda bem que a moça não fez a bobagem de se entregar pro cafajeste, aí seria um Deus nos acuda! Agora ta lá as duas sofrendo que nem a Senhora das Dores. Chica chorou tanto comigo, se lastimando da sorte da filha, mas acho que também lastimava a própria sorte. Disse entre lágrimas que se tivesse um marido em casa a coisa seria outra, que mulher sozinha em cidade pequena vira alvo de aproveitadores. Agora nesse alvorecer, peço a Deus por elas, e peço por todas as mulheres que sozinhas tiveram que carregar seus fardos. Ao mesmo tempo agradeço a Senhor por ter me dado a Jorge, que pode ser tosco, ignorante, mas coloca ordem na casa. Se fosse com nossa filha Mariana, o sujeito nessas horas tava pedindo perdão joelhos. Vou fazer uma novena pra Senhora do Socorro, que é mulher como nós e sabe de nossas angústias, e pedir pra ela ajudar aquelas duas de tanto sofrimento, e não deixar que coisa como essa aconteça aqui em casa, que não vai prestar... Jorge acordou, vou fazer café pra gente tomar juntinho.

Stelamaris