ADIAFORIA

Eis um homem.

Não um homem...

Melhor, eis mais um...

Talvez um seja muito, não um.

Eis um número!

Contudo, número só é se somado aos demais números

Pois sozinho nem a isso chega a ser...

Número...

Número é o que mais se assemelha de meus outros bens

Como desejas que titule mais um...

Um do sertão nordestino

Um dos morros fluminenses

Um da periferia paulista...

Número!

Número. Número não pensa,

Número não ama,

Número não lacrimeja, não rezinga

Número não fala nem ajuíza

Número não tem amigo nem família

Não tem ledice ou tristeza

Número não dorme nem cochila

Não tem orexia ou sede

Número é o que são, não homens!

Pois há homem suficiente: eu sou o homem!

Eu sou o homem número é o que são.

Número! Número! Número!

Número é o que eu preciso

Número é o que quero

Número é o que eu compro

Número é o que possuo

Número me veste

Número me limpa

Número me aquece

Número me carrega

Número me enaltece

Eu sou o homem!

Vós sois os números, precisam de mim

Sem mim como comeriam, como beberiam

Como andariam ou vestiriam-se?

Não fosse eu, quem em vós pisariam; como padeceriam?

Quem acabrunhar-vos-ia?!

Como paz existiria se não fosse eu o homem e vós o número?

Na rodovia paulista dentro de sua BMW parou o homem de redigir à Cega ganância

Quando que precedido de um veemente estrondo de trevas e dores viu fugir o luxo dos estofados de couro pela chuva que entrara por conta do teto solar.

Não águas que regam as plantas

Águas, porém, de carmesim coradas… Águas pulsantes.

Águas de sofrimento

Águas de desprezo

Águas de descuidados

Águas da jugular do nordestino número

Pobre número! Tirado do colo, do âmago de sua mãe,

do carinho materno; jogado no lixão.

O lixão que o forjou, o lixão o destruiu, o pobre número nunca sorriu.

De linhas brancas e futuro fulgente, lá estava ele, aprendendo a colocar munição.

Um caderno nunca teve, seu desígnio nunca foi escolhido,

Não aprendeu a ser bom aluno mas aprendeu a ser bandido.

Águas caídas

Águas que se fora

Águas emporcalhadas

Águas que emporcalharam seus filhos, seus irmão e pais? Não

Águas avermelhadas, águas que emporcalgaram o caro estofado que o homem assentava

Claro! O que mais importa, senão o homem?

Seu carro, seu prédio, seu dinheiro, seu tempo, seu isso seu aquilo.

Sob o mando do homem lá vai o número limpar aquilo que emporcalhara as águas sofridas daquele que do alto prédio caiu

Águas de alguém que livros, caneta e lápis nunca viu mas, entre a munição e tráfico preferiu a solidão, longe dos seus, fora ao sudeste rogando que o pão pudesse ver.

Limpar a água de seus pais, amigos e filhos?

Seja realista!

Fora limpar o estofado do carro que emporcalhara o sangue de mais um insignificante número que sem alimento e estudo restou-lhe isso.

Número este que dissimetria não fazia. Pertencente a classe operária, que valor tem à burguesia?

Ou morrer de trabalhar ou morrer de não comer, é o que lhe foi pesado, o que podia o pobre número fazer?!

Adiante segue a BMW com destino à sua fortaleza por nome de mansão.

Ao adentrar é servido por números, mineiros, baianos, fluminenses, amazonenses, paraibanos, maranhenses, piauienses e cearenses

São diferentes tipos de números, mas que valor não tem a sós.

Dalí entra em seu jatinho

Lança mão de seus variegados projetos

Minha bolsa família, bolsa isso e aquilo

Aterrissa ao pé do morro, veste-se de piedade

Com um sorriso no rosto adentra o morro a buscar acrescentar mais números às suas coisas

Eis eles, eis elas: Marias, Rodrigos, Fernandos, Anas, Martas e Rosanas…

Pessoas, seres humanos, sonhadores, vivos, senhores e senhoras

Ou ao menos era isso que deveriam ser

Mas não!

São apenas números…

Não importa o que são, mas sim o que fazem

Não importam seus sonhos, atitudes; mas sim seu ofício

O que você faz no seu espaço? Você faz diferença para mim? Não??

Pois então o que fazes aqui afinal?! Volte para o seu meio. Volte e vá ficar com seus companheiros números...

Oxalá não houvessem cair no capcioso laço do homem

Pobres se tornaram, pobres tendem a ser

Mortos permitiram-se ver

Tristes e confundidos estão

Agora, com uniformes azuis, em uma só voz, cantam:

“Não é homem não é ninguém, só é homem aquele que faz jus ao que tem.”