Reflexo

Frente ao espelho manchado

obnubilado,

por suspiros infames alcoólicos de uma respiração pesada

de um fim de domingo à noite,

não vejo minha face!

Mas sei que estou ali...

Quanto mais me olho

menos me vejo

Mas sei quem sou!

Florescem sentimentos absurdos

que transitam

entre total estranhamento e certeza absoluta

espero que surja ali uma face

um fato

continua obnubilado

percebo que saber quem é

não é garantia de ser

Cotovelos na pia, mais acuidade visual,

imagens ausentes insistem

em dar um tom de suspense dramático ao óbvio

sim, eu estou ali

ou melhor, aqui

O objeto sempre está para além da consciência

que se tem dele

concordo comigo

ensaio um aceno com a cabeça que não vejo

as mãos tocam os olhos

são como afagos esperançosos

quem sabe seja biológico! Seria um mal menor!

Nada acontece

Uma risada no canto da boca sela a ironia

levo as mãos ao espelho

com a água turva da pia

e lá está ele no reflexo

parado

estático

imóvel

Ninguém

Rangel Paiva
Enviado por Rangel Paiva em 30/05/2019
Código do texto: T6660912
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