DIVAGANDO
DIVAGANDO
Madrugada, como de hábito, seus olhos abrem-se do sono bem dormido. Poucas horas de repouso são suficientes para repor suas energias. Sub-repticiamente levanta-se sem qualquer ruído, troca suas roupas e da espádua surgem asas de imaginação. Sai de casa e na calada da noite levanta voo. Lá de cima começa a observar o que se passa ao chão. Poucos bípedes cabisbaixos pela preguiça e pelas agruras, caminham a passos curtos, em busca apenas da sobrevivência. Alguns ensaiam voos de galinha, outros dormem ao relento, exalando álcool e odores do corpo. O quase silêncio, quebrado pelos ciclomotores em seu peidar constante e pelas sirenes ambulantes, aviso de alguma tragédia, são os sons correntes. Luzes artificiais sombreiam pedaços de chão inertes e vazios, faróis de trânsito inutilmente mudam suas cores.
O ar frio e respirável toma conta dos pulmões e amplia a sensação do voo, as asas batem sem parar, levando-o a viajar qual cruzeiro.
Logo, porém, Aurora começa a dar as caras, trazendo um caleidoscópio de cores divinas e uma sinfonia de gorjeios.
É hora de recolher asas, aterrissar no ninho e fugir do burburinho insano, que logo far-se-á presente, no ir e vir sem tamanho, como se tudo fosse terminar em instantes.
A gaiola o espera, refúgio, pensa, seguro, será mais um dia monocórdio, em que a ventura dos livros atenuará a mesmice, e o fará flanar por plagas distantes, em que jamais colocará os pés ou aterrissará de seus voos madrigais a capella, mas evitará pensamentos pravos.