UMA RECEITA
Texto grosso sem correção
O café, você gostou ? É fácil, a receita é simples, café e muito rico em receitas, eu pessoalmente também gosto desse, fica bom com broa, pão de queijo. Agora, essa Dutra tá é me cansando o sorriso Letícia, mais na volta, mas é só, não tenho do que reclamar. Morando num lugar muito bonito, o ar é bom, brisa que vem das montanhas nem se fala, chega que estufa e refresca o peito da gente por dentro. Agora: já a volta no ônibus na Dutra é que mata.
Acordo às 4hs e vou, não me canso, mas a volta é que me acaba. Deve ser lá, São Paulo, tudo o que fica em suspensão no ar da cidade, gases de tudo o que queimam, mais o pó dos pneus vindo do andar e frear dos carros, - imagina que se troca milhões de pneus todo mês menina, e que esses pneus são gastos esfregando no asfalto e, fica essa poeira de poeira de borracha toda voando em pó por aí, o pó de pneus, entrando para o nariz da gente credo.
E tem mais o calor que vem do asfalto, tudo isso sufoca muito. Mas o mais que eu acho são as caraminholas, e às vezes, mais essas é que deixa essa quebradeira toda na gente.
Vixxxi, tô toda lamentosa hoje, quero não, tem que espantar logo esse banzo, é bom ficar esperta com isso enquanto ainda não fiquei com pena de mim mesma, auto comiseração xô, eu é que não sou de alimentar pensamento ruim; é no começo que se espanta a choração, se não, cresce e a gente fica insuportável, ninguém aguenta, e que não tenho meu prazer no sofrer não , credo.
Sabia que as caras das pessoas são a forma mais acabado do que elas anda pensando e acreditando sentindo dia todo, vida toda ? Pois é, o pior é que quando um pensamento ruim desses embaraça nas ideias da gente, fica lá fermentando e sem solução e contra a vontade da gente, vai moldando nossa cara para caras cada vez menos expressivas ?
E ainda te digo mais, se passa o tempo e a gente não identifica esse pensamento, essa crença esse medo aí como a razão da nossa insatisfação, acaba que a gente esquece, mas a cara e o corpo não esquecem não, ficam lá a sensação. Daí muita gente com cara de mágoa, de tristeza, de quem está andando de cara pra chuva e a cara assume essa expressão assim tempo todo; e o corpo caído, uns mais pra frente, outros dos lados, uma praga, por isso sempre que vier um desses, reconheça logo e despacha não deixa fazer morada. Olha no espelho e qualquer mudança no sorriso, tente lembrar o por que; ou resolve ou despacha, nunca retenha.
Tive uma amiga que começava a choração no de manhã e aí, difícil mesmo, lá pela tarde já estava com uns cinco centímetros mais baixinha, encurvada até dez anos mais velha coitada, depois sumiu ninguém aguentou com ela credo, - nem ela acha. Soube que agora tá bem, tá casada com um cara bem legal.
Ah, é... O café? Gostou? Estava me esquecendo, se você não fala ia. Vou te contar, é fácil, mas tem um segredozinho. Eu? Falar de mim? Assim sem mais nem menos? Quase nada, no mais o de toda gente. Sou enfermeira, 20 anos formada, 5 anos de faculdade minha filha, mais 3 de auxiliar, falo assim pra você que é mulher, pra homem a gente não conta, só depois, nunca no começo, eles deduzem, fazem conta, é o diabo...
É simples ó: 20 de casa mais 5 de faculdade, mais 3 de estágio, 28, somam, deve de ter começado com mais ou menos uns 25 porque enfermeiros, decidem pelo estudo mais tarde, é o que se fala, vão pelo técnico, na prática, depois se pega gosto é que vai, aí é fácil, né, é só somar e a gente se entregou: 53 anos, viu?
Credo, Gisela, que praga, que besta que sou, tinha pensado nisso nunca.
É, mas é assim, o peixe morre pela boca, e eu, nem de peixes sou, amiga, eu sou é de virgem, já fui de moça, quanto tempo perdido, agora só no signo.
Tratei dele, no postinho depois em casa. O caso era de cavaco no olho, depois curou, ficou bom, sem seqüelas, tivemos um casinho, curtinho sabe, mas o cara era gostoso. Gostozo mesmo, gostozzo, nem te conto.
Como era?.. Quer saber tamanho?.. hum... Nem de mais, nem de menos, pra mim na medida, cheiro de homem Letícia, a gente Endoidava, aí ele ia fundo, mas nunca me machucava de doer muito não, era meio grosso, mais não era uma besta, depois te conto mais. Nas mais das vezes a gente dava uma só, bem dada, precisava mais não, bem demorada, aí falava um pouco, e adormecia falando, era bom, eu já indo longe, pálpebras pesadas sumia de corpo e pensamentos.
Sabe, nos desacordos não me contradizia assim de frente não, quando discordava de não ter volta, pelo certo de cada um, das diferentes crenças, logo sorria, era todo carinho e humor, teatralizava um pouco, tateávamos a questão com suavidade com jeito de gatos cassando, assim seguindo, comedido, até que o ponto de entendimento tomava forma e a alegria tava de volta como no mais sempre era.
Nessas coisas de discordância éramos sempre meio impessoais, a questão era uma coisa, nós éramos outras, aí ia, porta afora, depois, só na outra semana que vinha, não via a hora, contava nos dedos, chegava, era uma festa. Depois acabou, nem ligou mais, sumiu de vez, me seca a as esperanças Letícia.
Canto agora, quando era meu, nunca contei, mulher é fogo, fantasiam muito, até sonham, vão logo querer sentir como é, cheirar, pegar, vê se a gente não tem gosto duvidoso, - e quando digo gosto, quero dizer sabor mesmo, ali na boca, no beijo ou sabe-se lá mais o que. Tem amiga traira, Letícia, mas dele sinto falta, a vida dá e leva né ??.
Ah! O café, veja bem, o café é simples. É assim, você faz, depois me conta. Pega a água de tarde na quantia que você sempre usa, bota dois ou três pauzinhos de canela, e deixa ficar. Vai dormir. De manhã côa, mas sem açúcar, se quiser põe depois, ou então pode por na água antes, mais bem pouco só pra tirar o amargo, aí é a gosto, não deixe a água ferver, chiou, borbulhou, tira logo, um arraso, receita quem me deu foi paciente meu, gente boa, lindo, lindo.
Viu, vê só, tem o de carqueja, também é igual, bote na água três ou quatro folhas machucadas de carqueja só que você deixa na geladeira. Depois você me conta, vai gostar. Não ferva a carqueja junta, tire os raminhos, da carqueja antes de ferver a água se não passa, aí amarga muito.
Jeronimo o simples
iGaratá, 26 de março de 2019