Com um vestido de algodão floral, laços de fita amarelos no cabelo cheio de cachos e um sapatinho dourado, que mais parecia uma pintura Áurea, veio ela de mansinho. Primeiro se aconchegou, recostada no ombro, como quem pede uma carinho um cafuné, foi deitando mansamente feito uma boneca de pano bem costurada com restos de linhas de bordar coloridas, guardadas a sete chaves, na gaveta dos ornamentos, durante todos estes anos, para o grande dia. Depois, foi mais audaciosa, deitou-se sobre os membros inferiores e fazendo peraltices com a cabeça, rolava de lá pra cá, num movimento de xícara, só visto em Alice, no país das maravilhas. Parecia sublime, doce e terna quando tomada por uma audácia instigadora, um desespero parece, ofereceu pirulitos coloridos, algodão doce, balas de goma e coco caseira. Quando enfim, cedendo aos seus caprichos foi brutalmente violentada, o coração leve, deu lugar ao rompante acelerado, a cabeça antes, criteriosamente dominada pelas palavras cruzadas, agora se cruzava feito jogo da velha, as mãos congelaram em segundos, os dedos arrocheram, numa cianose descompensada, o corpo foi ficando empedrado e a bomba do coração parou . A menina que vendia sonhos coloridos em carrinhos de algodão doce tinha trocado a fantasia, e de preto, como uma cacunda encurvada, carregava o que sobrou depois do factídio. Um silêncio, um choro engasgado, uma dor posta na máquina de triturar massa asfáltica, e uma ausência vista a olho nu, na cadeira de balanço da sala de televisão, agora livre. Era a morte certeira, desde o início, mas veio de surpresa junto com um arco-íris e uma ampulheta na mão.