Imprecisos Vagões
Quase duas da manhã
E eu aqui sem pegar no sono
A casa toda em silêncio
E isso é bom
É como uma música composta apenas por pausas
Às vezes interrompidas por ladrões, vultos e serpentes
Insetos e grilos e aves noturnas
O estômago que ronca, o vento na janela
O fantasma na cozinha, o batido nos talheres
Os olhos no espelho, as notícias lá do trópico
Os planos e as falhas, o rapaz tímido e esperto
Os carros e as motos que rasgam o futuro
O vizinho no andar de cima
E uma locomotiva que traz de longe o peso do mundo inteiro nas suas costas, apesar de muito nova para os trilhos
Às vezes tudo isso junto
Mas não de uma vez
Cada coisa no seu tempo
Respeitando a música e o silêncio
Quatro, cinco, seis ou mais coisas para fazer pela manhã
E eu só consigo me preocupar com o andamento da música
A calmaria elegante da alta madrugada
Olhos atentos para não perder de vista a sutileza das pausas quando forem interrompidas da próxima vez.