Eu, pianista

Tomo raiva, tomo ranço.

O regaço, o remanso

e a quimera da paz

jazem no mais profundo

seio desta terra.

Onde se erra a cântaros,

onde se abatem os pássaros

de cor e canto indesejados.

Malnascidos, malfadados,

não abençoados pela natureza,

a crueza dos arquétipos

os fuzila a esmo e à luz do dia.

— É dez por um, seu juiz!

E vamos levando.

Carregando o piano

com as teclas em marfim.

— Isso, coloque no centro do salão.

O embaixador é quem escolhe

a canção e o repertório

e a porra toda.

Eu, pianista teleguiado,

executor das paixões alheias,

digito as notas certas

para honrar as faturas,

os boletos e as agruras

que bem me dizem respeito.

— Jeito não há para isto.

Um pouco mais para lá,

pensando bem, mais para cá.

Os móveis ancestrais da baronesa

devem estar divinamente dispostos

para o chá das cinco

com as damas da corte.

A criadagem não colabora,

uma criança chora na cozinha.

— Zefinha, contenha sua filha!

E o chá seguiu,

harmonioso em seu decurso,

sublime em seus propósitos

para o contentamento

e júbilo das senhoras.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 30/04/2019
Reeditado em 11/08/2022
Código do texto: T6636100
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