Eu, pianista
Tomo raiva, tomo ranço.
O regaço, o remanso
e a quimera da paz
jazem no mais profundo
seio desta terra.
Onde se erra a cântaros,
onde se abatem os pássaros
de cor e canto indesejados.
Malnascidos, malfadados,
não abençoados pela natureza,
a crueza dos arquétipos
os fuzila a esmo e à luz do dia.
— É dez por um, seu juiz!
E vamos levando.
Carregando o piano
com as teclas em marfim.
— Isso, coloque no centro do salão.
O embaixador é quem escolhe
a canção e o repertório
e a porra toda.
Eu, pianista teleguiado,
executor das paixões alheias,
digito as notas certas
para honrar as faturas,
os boletos e as agruras
que bem me dizem respeito.
— Jeito não há para isto.
Um pouco mais para lá,
pensando bem, mais para cá.
Os móveis ancestrais da baronesa
devem estar divinamente dispostos
para o chá das cinco
com as damas da corte.
A criadagem não colabora,
uma criança chora na cozinha.
— Zefinha, contenha sua filha!
E o chá seguiu,
harmonioso em seu decurso,
sublime em seus propósitos
para o contentamento
e júbilo das senhoras.