Mais um gole de vinho

A tarde já se ia e a noite chegando.

Fechou os olhos para adiantar a penumbra.

Os olhos não a distraíam mais, agora só queria ouvir.

Ouvia os pingos da chuva lá fora, na calçada, nos guarda-chuvas, nos passos de quem passava.

As nuvens encobriam todas as suas expectativas.

Ouvia vozes sem nitidez, nada de útil se definia.

Deitada no sofá, pensou no seu dia comum.

Sentiu sede de acontecimentos.

Bebeu vinho junto com o fogo que ardia em sua garganta.

Imaginou sua próxima viagem, sua próxima rua, sua próxima boca.

Insistia em reanimar os sonhos embriagados.

Tocava seu corpo para perceber seu próprio calor.

Em mais um gole de vinho, degustou seus anos bem vividos.

Pensou em quanto tempo ainda teria. Valeria a aposta?

Admirou-se ao ouvir a quinta sinfonia de Beethoven, percebendo a semelhança entre os sons da música e os ritmos dos acontecimentos da sua vida.

Ela abriu os olhos e percebeu o escuro.

Sentiu toda aquela intensidade com amor.

Abriu um sorriso gostoso e teimoso.

Bocejou, deixou a taça de lado e adormeceu tranquilamente em sua beleza e na certeza de que haverá mais vinho para outros domingos chuvosos.