Tua folha de papel (do uso da poesia como autocomiseração)
O papel que você tatua com a esferográfica. Depois risca, rasga e pica em centenas de pedaços. Todos do mesmo tamanho. E pega outro e escreve e chora. E molha e borra a tinta. E amassa, depois desamassa.
Tenta aproveitar a ideia. Arrepende-se. Joga tudo na lixeira. Olha pela janela, acende um cigarro. Hoje a natureza não lhe diz nada. Inspira, expira, tosse. Olha o celular, responde algumas mensagens. Precisa arrumar o quarto. Precisa fazer comida. Precisa arrumar a vida.
Pega um papel, o encara. Branco.
Quisera escrever algo com sangue. Com brasa e fogo. Com gritos de desespero. Quisera jogar o papel num bueiro. E o bueiro devolvê-lo escrito. Algo enlameado porém bonito. Que fosse se desfazendo em papel marché para ninguém mais além de ti poder ler.
Ou papel que você enfiasse por debaixo da porta de um desconhecido
E ficasse ali por décadas perdido. Poema de poeira e rangidos de assoalhos de madeira.
Qual será o teu papel neste mundo? Só isso? Tão pouco... E te contentas? E agradeces?
Gaivota, céu e inferno, tsuru. Um beijo com batom, um formulário
Aquela página que você rasgou do seu diário...
Se a tua última folha de papel falasse, por todos os papéis que viu passar pelas tuas mãos e por todos os papéis que encenastes ela diria: Cansei-me de ti com tuas verdades absolutas e regras inflexíveis. Vá viver um pouco mais lá fora onde as pessoas se tocam, se olham, se aceitam. Eu sou papel, sou teu escravo, teu cativo, teu prisioneiro. Nada aprenderás comigo que já não saibas. Eu te odeio.