Nuvem Branca

Uma nuvem branca como algodão habita o céu de minha infância.

Eu a trago comigo na lembrança, como em sonho lembro dela

voando sob o azul infinito, fazendo evolução,

transformando-se em pássaro, em figura humana, numa ovelha

ou num monstro.

Vejo a criança olhando-a, encantada, imaginando coisas que,

em geral, só passam pelas cabeças de crianças, de poetas

ou de loucos:

sentado no colo da nuvem, desafiando a lei de gravidade,

voando, enquanto da terra as pessoas de bom senso

assistem horrorizadas.

Outras crianças, loucos, poetas e a prostituta Lurdinha,

aplaudem entusiasmadas.

A nuvem branca mora comigo.

Ainda hoje, embora adulto e os adultos quase sempre são sem graça,

saí para vê-la:

olhei o céu, mas só havia algumas nuvens cinzentas, sem a beleza

da nuvem branca de minha infância.

Triste como uma criança quando lhe tiram o doce,

senti as lágrimas rolarem em minha face.

Foi só por um momento, pois criança se distrai facilmente e

a cara triste fica alegre ao ver um brinquedo.

Nesse momento foi saindo do bolso de minha camisa, uma nuvem.

No começo era apenas uma fumacinha.

À medida em que ganhava o espaço ia crescendo...

Fazia evoluções incríveis:

Ora um coelhinho; ora um pássaro, um monstro, gato...

Vi, inclusive meu avô Pascoal, sorrindo.

Confesso que nestas horas esqueço uma série de obrigações,

mas conservo a capacidade de sonhar.

Assim, todos os dias saio para vê-la, feliz,

sentado no tronco de uma árvore.

Passo horas contemplando os números esplêndidos

que ela faz só para mim.

Digo só para mim, não por egoísmo.

Até convidei alguns amigos, mas eles não conseguem vê-la,

riem e me chamam de louco, visionário.

Algumas crianças têm me procurado ultimamente

e passamos momentos agradáveis.

Eles gostam principalmente de vê saindo do meu bolso,

dão risadas estrondosas e ficam tristes quando a chamo de volta.

Pensam que sou mágico.

E se vão contentes, pois prometo-lhes,

dando pipocas, que no dia seguinte voltaremos a vê-la.

25-04-1989

Do livro O Comedor de Livros - 1991