Chamou-me gentilmente para um passeio. Havia tempos que não passava por lá. De mansinho segurou a minha mão e foi me levando como se ofertasse a segurança necessária para me devolver a identidade. A sensação de solidão ia se desfazendo na fantasia de ver aquelas cenas tão peculiares. O afago amoroso ao pé do fogão de lenha que era embalado por uma canção de amor num violão desafinado que trazia acalanto nas cordas de aço. O leite quente retirado das estranhas para trazer o calor que apagava da alma o gelo. O sorriso aveludado desenhando as curvas intensificadas pelo sol que lhes cortava o rosto bem na hora em que os ponteiros do relógio estavam um de cada lado, sentido contrário. O ralhar acompanhado de uma vassoura cujos pelos de piaçava pareciam fazer cócegas no chão grosso. A rua encantada com tantos badulaques e os chinelos fazendo papel de traves enquanto brincavam todos os meninos sem medo, com confiança. As promessas assistidas de joelho e os agradecimentos feito caminhadada da mesma forma. As balas de São Cosme e Damião entregues de porta a porta. Os bolinhos de chuva mergulhados no refinado com canela. As fotos de filmes que revelavam a fragilidade do equipamento ao negar o direito de vê-las por terem sudo queimadas Tudo era tão forte, tão intenso. Até que aquela mão carinhosa, doce, terna tão familiar, mais tão esquecida, foi se desprendendo e devolvendo a realidade. E por um instante, foi possível ver aquela criança feliz, vir devolver algumas lembranças, afinal a sua identidade estava desfocada. E foi assim que se lembrou de quem era.