Dragão do Mar
Depois de uma longa e cansativa caminhada, coloquei os pés naquele convés frio e indiferente, percebendo de imediato que em virtude do adiantado da hora muitas pessoas cruzavam a embarcação, e seguiam em desespero perdidos em meio ao torvelhinho de pensamentos.
Depois de poucos passos em direção ao interior, no meio daquela confusão humana, notei que alguém não concordava com o ritmo frenético imposto pelos insensíveis predadores da paz.
Ela estava sentada em um dos bancos centrais, pernas cruzadas em posição de yoga, trajava calça jeans que deixava aparecer um pouco de sua calcinha cor da pele, se vista pelas costas. Uma blusa de malha azul claro, óculos escuros e algo me chamava a atenção - seus cabelos cheios de cachos – eu conhecia aqueles cabelos, aquele rosto, aquela pessoa!
Surpreso e indeciso pensei em me aproximar, dizer-lhe algo.
À medida que caminhava em sua direção, notei com tristeza que faltava uma confirmação: o perfume. Seu inconfundível perfume estava ausente. Kenzo não estava lá. Logo constatei o meu engano, apesar de ver que ela lia O Profeta. Ela não me olhou, mas sei que me percebeu. Deve ter compreendido, pois quem lê Gibran sabe como os homens amam, e entendem quando agem desse jeito.
Apressei-me em disfarçar minhas atitudes e dei curso ao meu trajeto. Eu estava atrasado e o vento batia forte naquele ambiente, como a empurrar-me para o meu destino daquele dia.
Deixei aquela embarcação de pedra e cruzei a avenida em direção ao meu presídio.
Nas paredes da velha edificação que me aguardava depositei minhas lembranças. Sem ela, mais um dia.