NÃO AGUENTO

E eu quero dizer que não aguento

E não aguentar não diz respeito a desistir ou não

É falar sobre os excessos que carregamos para além do que suportamos

É dizer sobre todo esse peso mental, corporal e psíquico que nos cerca

E que se esbarra na nossa força, mesmo que sejamos extremamente fracos

Noites mal dormidas, refeições mal feitas, amigos mal aproveitados e amores que se vão sem ao menos um beijo final

Tudo porque o peso diário empurra o corpo abaixo, arrastando o rosto em direção a esse chão seco

Peço licença aos que conseguem viver cada dia como se fosse o último, e o aproveita de forma única

Peço passagem, pois meu corpo se arrasta e a única coisa que ando aproveitando são os grãos de terra que arranham minha pele

Na síntese complexa do meu realismo, que não sabe se o dia é dádiva ou mártir, vivo sadicamente

Arranhando os amores, as esperanças e até as tristezas que não cicatrizadas permanecem abertas ao sangramento

Distorcendo e torcendo para que o dia não se acinzente mais uma vez

Não conseguindo levantar, ou impulsionando de vez, uso a força que o dia indiscretamente me doar

Sofrendo de excessos, e estes me parecem essenciais a vida e assim os tenho sem pudor

Felicidades, tristezas, solidão, tudo faço aos montes, e mesmo sem a vida me dar de bom grado, eu vou digerindo pouco a pouco

- Bom dia, disse um senhor que passara por mim às 05:00 da manhã de um dia de domingo

- Bom dia, exclamou o pobre sujeito que me incutira a dúvida de entender se o dia realmente era, seria ou é bom

Eu nunca haveria de questionar a realidade, ainda mais num domingo às 05 da manhã

- Olá, respondi pois não sabia ao certo como seria aquele início obsoleto de semana

Seria como todos os outros? Haveriam surpresas? Tristezas? Emoções?

- Bom dia, insistiu o moço

- Bom dia.