o peão-saltador

numa manhã-madrugada,

estávamos ainda acampados

à beira do caudaloso igarapé de piranhas,

a luz do dia ainda nem bem vencera

o espesso dossel da mata

raimundo, o cafuzo peão-cozinheiro adolescente

foi à beira d'água com uma panela

nas lidas de nosso reforçado desjejum

lá chegando, ao abaixar-se

deu tamanho salto para trás

que foi aterrissar quase sobre a fogueira da boa-macaca

e desde então os peões-galhofeiros

passaram a compará-lo com o prodigioso joão-do-pulo

e a chamá-lo de o peão-saltador

e as troças diziam que ele seria

o campeão do pulo das selvas

nas próximas olimpíadas

mas raimundo tivera sua razão

para aquele salto fenomenal

pois que dera à beira d'água

com dois olhos flamejantes

refletindo e aumentando a luz das lamparinas a querosene

a espreitar o acampamento

um jacaré-açu bem criado, de uns dois metros

que por certo percebera

algum sinal da comida que por ali tínhamos

talvez tenha estranhado aquela comida

vir à beira do rio andando sobre duas pernas

e que tenha dado tal salto para trás

mas o pobre jacaré

talvez não contasse que aqueles bípedes saltadores

tivessem também as armas de fogo

que o pusessem em retirada

Publicado no livro "memórias amazônicas" (2011).