quebrou!
raimundo, o peão-cozinheiro
cafuso adolescente ansioso por ser aceito
entre os adultos e os brancos
acordava sempre de madrugada
bem antes do dia clarear
eu acordava sempre com o peão passarinho
gritando “quebrou!”
que era seu jeito de dizer
que o rancho estava pronto
e, ainda noite
fazíamos a refeição que nos sustentaria
durante toda a jornada de trabalho
e que refeição!
o meu prato, como o dos peões
era uma montanha de arroz, feijão
farinha d'água e carne de caça
seja queixada, cutia, mutum, jacamim, jabuti, até macaco
sempre fortemente temperada
com leite de castanha e pimenta-do-reino
era uma comida muito cheirosa e saborosa
e às vezes ainda com algum legume vindo do rio
ou algum palmito do açaizeiro
essa generosa refeição da madrugada
compensava a parca ração de farinha d'água e castanhas
que faziam um ligeiro mata-fome na pausa do trabalho
ou durante a espera da chuva passar
abrigados debaixo da lona preta
armada às pressas
no meio das andanças do dia
Publicado no livro "memórias amazônicas" (2011).