E SE A MORTE ME BEIJASSE HOJE?
Eu poderia morrer hoje e ainda assim minha janela continuaria banhada pelo sol da manhã e pela luz refletida da lua, que por sinal não pararia após a minha partida.
Se a morte me beijasse, com aqueles lábios carnudos de não-vida, ainda assim as estrelas continuariam sendo criadas e brilhariam pros amantes que indefinidamente dariam nome a estrelas que já teriam nomes de outros amores.
De quem seriam os astros celestes, se não do mundo e dos amantes?
E se hoje, e exclusivamente hoje, fosse meu fim, ainda assim haveriam nascimentos de muitas e a morte também, de estrelas, pessoas... e o mundo continuaria girando pra prover condições a vida e a morte.
Se meus olhos se fechassem, como em sono, e eu dormisse sem acordar, de fato todos ao meu redor continuariam sorrindo ao ver as flores que surgem na primavera ou após curtos períodos de chuva.
A vida é todo esse ciclo espiralado, que gira e sobe, mas nunca há de parar no mesmo ponto, porque a vida não para, assim como o tempo e todas essas medidas que criamos pra dar sentido as fórmulas.
Mudanças e mais mudanças, boas e ruins, e a certeza que virão, acompanhará a vida mesmo após eu não estar aqui.
Talvez eu seja a mudança de um fragmento quase insignificante de tempo para todo esse universo, e ainda assim o mundo não pararia para me ver subir aos céus ou desaparecer.
E todos os livros religiosos continuariam a serem lidos, e as tradições continuariam a serem passadas e o tempo continuaria carregando, implacavelmente, cada um e o rastro de memória que ainda segue após a minha inevitável morte.
Se hoje, e somente hoje, eu morresse, com toda certeza terei cumprido o papel que fora me dado desde o nascimento "sobreviver até o dia da minha morte", e nem eu pararei pra ver acontecer, porque a morte, implacável, não permite uma espera sequer.