o abraço da selva
às vezes, durante os nossos levantamentos
afastava-me dos peões-garimpeiros
e embrenhava-me só pela selva
e então a sensação de ser intruso
invadia-me por inteiro
primeiro, tinha medo
da onça, dos bugres, das serpentes
e dos fantasmas que trazia comigo
e compensava-me o peso do revólver pendurado na cintura
(mas que nunca deu um tiro
a não ser por diversão)
depois assolava-me o insólito
de estar mergulhado na mata
tão diversa da cidade que era meu mundo
até alguns dias atrás
no agitado formigueiro de pessoas nas avenidas
a multidão conforme quase nem se notava
mas na mata
as árvores e bichos pareciam calar-se
a espreitar o estranho que a violava
mas apesar do estranhamento
a mata parecia comportar-se
como o povo de um país estrangeiro
hospitaleiro e cheio de curiosidade
que não nos rejeita, mas acolhe nossa estranheza
em tributo à tolerância
e a mata o faz calando-se
como se não quisesse revelar-se inteira
talvez receosa de que não a compreendamos
talvez evitando nos sobressaltar
talvez ainda
como a mãe zelosa
que abraça e beija a criança inculta
em silêncio
Publicado no livro "memórias amazônicas" (2011).