o peão-artesão

os peões, essenciais para a lida na mata

tinham suas especialidades

eram os mateiros, os garimpeiros

os caçadores, os cozinheiros

os canoeiros, os faladores, os galhofeiros

ivan era o peão-artesão

mas não foi logo que descobrimos

era a nossa primeira incursão pela mata

a canoa cheia de víveres e materiais

dois forasteiros, eu e gustavo

e cinco peões-garimpeiros e mateiros

depois de embarcados de madrugada na sede da fazenda

e de algumas horas descendo o rio

apoitamos na palafita do beradeiro pernambuco

enquanto os outros quatro peões descarregavam

e arrumavam as tralhas

ivan embrenhou-se na mata

e sumiu sem nada nos dizer

o tempo passava, e passava

já me perguntava o que andava a fazer o peão

e ele reapareceu trazendo cipós do calibre de um lápis

e enviras, a fibra da casca de certos arbustos e árvores

que era o que tudo amarrava na selva

ivan pôs-se então a trançar os cipós

e a atar-lhes com a envira

e logo estavam prontos os jamanxins

que iam nas costas dos homens

com uma tira larga de envira a passar das costas à fronte

carregavam com certo conforto e segurança

todo o peso da tralha, que não era pouca

as mochilas que tínhamos trazido da cidade

pareciam canhestras perto daquelas engenhosidades indígenas

a habilidade do peão-artesão

levou-nos a tempo até o primeiro acampamento

onde pudemos levantar um teto

firmar as traves para prender as redes-mosquiteiros

e acender a fogueira com as três toras da boa-macaca

antes da noite cair

Publicado no livro "memórias amazônicas" (2011).