pegadas
o humano é estranho na selva
e as criaturas da mata
espreitam o humano
parecem procurar entender-lhe a razão
os peões-mateiros e os garimpeiros
diziam que por ali viviam onças-pintadas
muitas
mas nunca as víamos nem ouvíamos
cheguei a duvidar que de fato existissem
até aquele final de tarde
quando voltávamos para o acampamento
e o peão mostrou-me a pegada da onça
grande, bem maior que o punho cerrado
onde só se veem as marcas dos dedos, e não as garras
bem sobre as nossas pegadas
marcadas no barro negro
pegadas que tínhamos deixado no caminho de ida
sem nos apercebermos que a onça nos seguia
ela deveria intrigar-se:
o que será que esse bando de homens
anda a esticar cordas
cortar paus, fincar estacas, pintar-lhes números
e cada vez que cruzam um igarapé
é aquele desvairado girar das grandes bateias
que carregam às costas
até um punhado de areia negra
ir parar dentro de um saco
e o que tanto escrevem em suas cadernetas?
não há dúvida
o humano é um ser estranho
por via das dúvidas
a onça decide deixar sua marca
sobre as pegadas humanas
só para lembrá-los
que por ali não andam sós
Publicado no livro "memórias amazônicas" (2011).