À dor
Quando o céu turva como chumbo, e de tão pesado desaba em chuva, meus olhos de tristeza também encharcam a alma que se afoga em saudade. Bebo então do veneno da amargura que seca as papilas famintas do teu gosto. Sopro em vão as feridas antigas, que nunca sararão. Não há mensagens que consolem um coração aflito por um toque, um olhar que seja. As janelas então se fecham, não para proteger o que há do lado de dentro, mas para impedir que transborde. A frágil humanidade se envergonha da dor e se auto segrega, esperando a primavera que não chega, após incontáveis invernos. O grito mudo foge dos lábios como um suspiro de cansaço, de espera, pela liberdade que nunca vem. Não há forças para quebrar correntes invisíveis e os pés estão calejados de seguir quem nos deixou para trás. O tempo talvez seja o ungüento a mascarar cicatrizes mal fechadas, que ao menor arranhão expõem as fraturas cravadas de pinos enferrujados. Brindemos à dor, substantivo solitário que não deveria ter rima com coisa alguma, mas que acompanha os perdidos e insones, contudo, ávidos por um facho de esperança que os norteie à salvação.