rio roosevelt
o rio era tudo naquele sertão
a sede da fazenda
ficava numa curva grande do rio
com uma pequena praia de areia
onde fora mais fácil apoitar os barcos
que trouxeram os homens, as máquinas, as provisões
para abrir a clareira na floresta
a margem do rio na fazenda
sempre estava cheia de barcos apoitados
barcos de cidade, de tábuas e motor de popa
ou canoas indígenas
feitas de um único tronco escavado
eram os barcos do rio que levavam e traziam as coisas da mata,
animais, provisões da cidade, castanha, borracha,
e também gente,
alguns raros viajantes
e os beradeiros em suas constantes andanças
à mercê da ganância dos grileiros
ao longo do rio é que moravam os beradeiros
em sua maioria famílias de sertanejos e seus descendentes
escapados da seca do nordeste
posseiros de longa data
as casas feitas de açaizeiro
palafitas que pareciam desatinos
querendo alcançar as copas das árvores
quando não era a estação das cheias,
aí então atinava-se com a sua razão
o rio dividia os territórios
a leste, na margem direita, pobre de peixes e de caça
instalavam-se os posseiros e as fazendas do branco
a oeste, na margem esquerda, para os lados do rio branco
afluente que desaguava
muitos quilômetros para baixo da fazenda
e que tinha mais peixes e caça
era a terra dos bugres
que esperávamos nunca encontrar
o rio era um dos únicos brinquedos
das crianças da fazenda
que pulavam nas águas turvas
nas tardes suarentas
o rio era por onde se podia ver o céu e o sol
para além do rio a mata densa
escondia a luz do dia, das estrelas, da lua
depois de dias embrenhados
os homens saíam no clarão da beira do rio
amarelos e com os olhos ofuscados
a água do rio não era límpida, era turva
disseram-nos que no verão, sem as chuvas
ficava mais clara
ainda assim, meio turva, era a água boa
que dessedentava e lavava na fazenda
as manhãs nas areias da beira do rio
eram o local de encontro das borboletas
multicoloridas e graciosas revoadas
que lembravam o belo e o delicado
no rude seio da floresta
e os fins de tarde no céu aberto da beira do rio
eram as pinturas fulgurantes
de pores do sol de fogo
que levavam o pensamento
para além do horizonte
muito além da curva do rio
Publicado no livro "memórias amazônicas" (2011).