06-03-2019, 07:49
Estou olhando para as tuas costas.
Tu dormes.
Acaricio tua camisa, imaginando a textura pelo calor da pele, o teu cheiro abundante em minhas narinas... Quando parece que acostumo-me ao cheiro ao ponto de pouco senti-lo, afundo mais o rosto em tua massa de cabelos, sorvo o aroma como sedenta de ti.
Penso que logo tu vais - voltarás, decerto, mas vais. E a cama retornará ao que era: cama somente, espuma e pano, sem vínculo. Pois assim como nem todas as casas são lares, só me tem caráter de importância aquilo que tu tocas e carrega de ti um pouco; eis, eis o colchão que te sustenta: por isso cama...
Abraço tuas costas, tu dormes, não quero acordá-lo, tu dormes sempre como quem não teme (e bem sei que há o que atormentar-te os sonhos)... Na ganância de quem tudo quer em plenitude, imagino-me tomando também os teus sonhos, aperfeiçoando-os, decorando-os com o arrebatamento de quem ama, deixando-os ali para que tu desfrutes sempre do ideal. Deixar meus traços onde puder, até mesmo no impossível, se ele me cair ao alcance das mãos.
Tu se mexes, balanças os pés, tornas o rosto para mim. Meu rosto, tu tornas meu rosto para mim. Meus cílios, minha barba, meu nariz e boca, todos mais meus do que aqueles que vejo ao espelho. Beijo a ponta do dedo que percorre a tua sobrancelha. Acompanho tua respiração morna, desfaço-me no calor que também é meu, viro teu suor colado à pele, viro a pele em si, quase pego-me à beira dos sonhos, um sonho em que tu não vais, que ainda é cama, calor e pele, bem como eu própria, por todos os instantes do porvir, ciclo infinito de nós, pronome e substantivo.
E bem queria que fosse este o teu sonho também.