A garota do terceiro ano
Era uma menina delicada e calada. Frequentava a terceira série do Grupo Escolar, mesma classe que eu. Tinha algumas sardas, os cabelos desciam pela fronte em cachos. Uniforme impecável e postura idem. Sempre que a menina chegava na sala de aula, eu a olhava admirando-a. Ela tinha um quê de diferente.
Certo dia eu soube que ela havia se mudado. Fiquei muito intrigada, porque não era comum pessoas se mudarem da cidade com constância. E assim o tempo foi cumprindo sua meta. Quando eu passava em frente à atraente casa onde ela morara, eu me punha a imaginar como teria transcorrido sua vida depois que ela se mudou.
Um dia, conversando com amigos, eu perguntei se alguém se lembrava daquela garota. Foi então que me contaram: o pai era importante funcionário público e desempenhava seu trabalho com muita competência. Porém, depois do trabalho ia para casa, embriagava-se e agredia a esposa.
Imagino que a pobre menina assistia a tudo, impotente e aterrorizada ante a situação. Eis que certo dia, cansada de tanto sofrer, a senhora sacou de uma arma e disparou contra o marido: um tiro apenas, mas certeiro. Vieram os vizinhos, veio a polícia, a mulher foi julgada e considerada inocente, pois as testemunhas falaram a seu favor.
A partir daí elas se mudaram e nunca mais se teve notícia. A casa, porém, de arquitetura única na cidade, ainda desperta curiosidade das pessoas. Em mim, perdura sempre um sentimento de nostalgia por tudo o que aconteceu. E enquanto me lembro, a nostalgia desce pelo meu corpo como desciam os cachos na fronte da inocente menina.