O Homem e o Rio

Um homem jovem cansado da vida injusta que julgava ter, praguejou algumas vezes contra sua infame sorte, e pouco tempo depois foi acometido por uma incurável doença, que o debilitou aos poucos, pouco antes de sentir que ia partir com o pouco de resiliência que somente a morte pode trazer silenciou sua mente por um instante e sentiu que podia ouvir vacilante o som de uma água corrente, um riacho, que mais adiante viraria um pequeno rio... a medida que imergia naquele devaneio o rio ia aumentando, alem de ouvir podia sentir, e pouco depois, ver, não só o rio, mas tudo que o rio tocava. O rio sempre mudava: as vezes com corredeiras furiosas, porem na maioria das vezes tranquilo, as vezes largo e generoso, e algumas vezes mesquinho e estreito, da forma que mal saciaria a sede de uma só raposa, ainda assim seguia, e ele com o rio. Percebeu então que ele próprio era o rio, e que por onde passava coisas aconteciam: As vezes boas as vezes desastres, a quem se alegrava de ver o rio, e quem se lembrasse que já se afogou nele, uns o viam como ameaça em período de cheia, outros temiam que mingua-se e sumisse de vez na escassez. Construíam sobre ele pontes, para atravessar sem interagir com ele, outros tentavam doma-lo com barragens, ainda aqueles que apenas os admiravam e esses o encantavam, pois mesmo que não interagissem com ele, não o ignoravam ou tentava subjuga-lo. Apenas tratavam-no com o respeito que era merecido. Por vezes quis ficar, quis virar lago, lagoa uma bacia, uma baia inteira! Mas partia, vagarosamente, com pesar e sem entender. Não poderá escolher seu destino enquanto humano, e agora como rio, tão pouco podia fazer tal escolha de seu destino. Um dia viu que acabaria no mar, e temeu assim desaparecer por completo. A cada curva, descida e queda, ficava mais próximo de seu apogeu aterrorizante. Antes que fosse tarde pensou na experiencia que teve enquanto rio e que mesmo que não conseguira permanecer em determinado estado (físico e mental),lembrou de tudo que presenciou, na benfeitoria que fez aos camponeses com as lavouras irrigadas, pensou na sede de quantos animais saciou, quantas paisagens havia visto, nas variadas temperaturas que teve, lembrou com pesar quantas barragens estragou e quantas vidas levara com sigo ao longo dos anos mesmo sem intenção. Lembrou em quantas quedas e nascentes havia se transformado, e ficou feliz com a oportunidade de ter sido um rio. O medo deu lugar a uma profunda gratidão, e sem mais temer desceu para ter com o mar, e pra sua imensa surpresa, ao tocar o mar, sentiu toda a sua longinquidade e as suas profundezas, sentiu-se quente como uma água da praia do Cabo, e gelado como as águas dos mares congelados do Ártico, sentiu-se cristalino e turvo, poluído e revitalizado tudo aos mesmo tempo...Pensou por um instante na sua experiencia como rio e entendeu, não havia o porque de temer o mar, por que agora ele era o mar: aprendera a conviver com os defeitos e virtudes de ser quem era e isso permitiu a sua ascensão, seu crescimento físico e espiritual. Permita-se, seja rio, agradeça e não tema, um dia sera o próprio Mar!

Diomezio Almeida
Enviado por Diomezio Almeida em 04/03/2019
Reeditado em 04/03/2019
Código do texto: T6589491
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