Renovo
Pingos de chuva tamborilam nos telhados e no vidro das janelas. Escorrem gelados desenhando rios, como lágrimas solitárias do tempo repetidas por eras. No alto, as nuvens carregadas acinzentam o dia, antecipando a noite e a madrugada fria. Trovões ecoam os raios como açoite aos céus, que reclamam em agonia o grito de todos abaixo do firmamento. Observo a tudo isso como um ato de guerra que anseia por um tratado de paz.
A água então se avoluma, levando vidas coisificadas, lavando becos, casas e ruas. Forma poças e enxarca o que resta da terra ressequida, que enfim respira. Mas, logo se intimida, se apieda e enternece. Pouco a pouco arrefece, torna-se garoa e finda.
O amanhecer traz a brisa fresca e bem vinda, acompanhada de timidos raios de sol que devolvem à Terra vida. Pássaros saem de seus esconderijos, sacodem as asas e cantam em agradecimento. Flores desabrocham voltadas ao céu contemplando o sublime momento em que tudo se refaz. Os rastros deixados porém, não podem ser ignorados. As marcas da renovação sempre geraram a dor necessária a toda metamorfose.
A euforia do nascimento sempre foi precedida pela dor. Ignoro a maioria das regras, mas sei ao menos que estas são as sutilezas da existência desde a criação. Um ato estranho de amor. Consequências de pecados? Maldição? Peço perdão.
Contudo, admiro a chuva, o cheiro da terra molhada, o broto que germina, a paz depois dos temporais.