Tomei um porre de realidade e acordei com ressaca moral. Sustentei por longas datas os percalços de uma vida embutida feito lata de sardinha, na pressão. Das palavras não ditas, escolhi algumas para atirar feito flecha em alvo não planejado, mas a ferida fez casa em mim, e nem deu tempo de curar. Dos sapos que engoli boca abaixo, sobrou o gosto amargo e a sensação de eterno engasgo, de nó na garganta. Das faíscas que escorregaram na pressão de guardar tudo na gaveta emocional, não sobrou nada, pegou fogo, queimou, ceifou vidas e gerou cicatriz e cinza. Esta última, é a cor que invade o meu peito e sem medo de proliferar, recarrega sua energia no negro buraco do infinito que me corta e é particular, bipolar, hiperativo. Tenho bebido demais e vivido de ressaca. Bebido a cevada negra da amarga identidade, personalidade e caráter, que boceja hálito fétido e que exala a dor em partículas de desalento; bebido o uísque sem gelo da indiferença; bebido o vinho dos pisões que sobrecarregam e marcam as minhas costas; bebido o refrigerante que embora doce, mate pelo excesso de malefícios em sua composição, o rótulo constrói e destrói, engana e traz a realidade. E depois de esconder atrás dos copos, ou de me revelar por causa deles, ainda sinto culpa, peso. Tem fantasmas que nos assombram sem piedade, nem dó. E os outros, são meus, sou eu, e já preparei a festa de apresentação. Até lá, vou me acostumando com eles, comigo. Quem sabe algum de nós não desiste?