Morri
Puseram meu coração numa balança, que ficou machucada, e então dissecaram o órgão, lá não havia nada.
Planeara-se uma cirurgia, um rápido transplante, para remoção da agonia que me mordia a todo instante. Um bisturi de amor foi-me usado para alargar minha sensibilidade, de modo a haver mais espaço e entrega à serenidade.
Mas não se ama dum dia pro outro, nem do outro para dum. Ama-se um dia atrás do outro ou num dia nenhum. O médico estranho sabia disso, só quis provar o seu valor. Por causa do seu ego, não quis cagar na própria reputação: "masturbou-se" com o enredo.
Era muita luz direccionada ao meu peito e corpos vestidos de batas cor de relva. Com certeza tinham todos esperança, só não sabiam da imunidade gigante.
Cresci vazio e sem dó, nem palavras, nem acções. Nada disso aliciou-me tanto para ter dois corações. A operação levou alguns anos, a equipa toda envelheceu e, de tão mergulhado na anestesia, achava já ter chegado ao céu.
Que céu existiria para mim, descrente, com o âmago gelado, que não sabia se doar nem aceitar ser amado?
Sentia-me num clima de inverno, a tensão convidava o verão, e o inferno, tão branco, cheio de escuridão.
O efeito começou a manifestar-se, o batimento cardíaco voltou. Como algo mesmo não me quis ver a amar, de uma vez por todas, o coração parou.