NA LINGUAGEM DOS PASSARINHOS

Ao “alpinista” da árvore, em homenagem.

Manhã de calor, o passaredo em festa.

De repente, sobre a calçada, ouvi um pio choroso por dentre o sufoco dum emaranhado de fibras despencado lá de cima.

Olhei com atenção e nada encontrei.

Não se conseguia detectar com precisão donde vinha aquele débil pedido de socorro premente, o que se unia à sonoplastia duma desesperada mãe passarinha que emanava seu canto maternal aflito aos quatro ventos, na tentativa de convocar a multidão de pássaros da redondeza para ajudá-la na dor da procura por se ter perdido algo que lhe era muito caro…

Logo a alguns passos de mim pude encontrar um assustado filhotinho de pardal recém caído do seu tão precoce sinistro de vida, o de ver seu ninho pós queda livre, estatelado ali no concreto, vindo dum galho quebrado da TIPUANA durante a chuva da madrugada.

Quando me viu se sentiu mais desesperado ainda e eu não o julgo pela sua razão.

Fitou-me nos olhos onde se lia seu notório pedido por vida:

”-por favor, não me faça mal”.

Eu tentei lhe aliviar com a linguagem dos olhos…

Mesmo assim, ato contínuo ao nosso diálogo mudo, ele batia suas asas agitadas em vão, na tentativa de alçar voo para bem longe de mim.

E mais uma vez eu lhe entendi perfeitamente…

Num esforço físico inenarrável, grudado como com cola ao tronco da gigante árvore, parecia escalar as montanhas da vida com pequenos voos frustrados, sem ajuda alguma de cordas de rapel.

Batia as asas pequeninas numa velocidade impressionante, naquela cinética movida pelos medos inimagináveis que permeiam todas as vidas, mesmo as recém chegadas.

O máximo que conseguiu foi escalar cerca dum metro de tronco para escorregar assustado até o chão.

Sob a minha insistente torcida para que aprendesse alçar voo, fez o mesmo movimento inúmeras vezes, sempre me fitando em trezentos e sessenta graus, até que desistiu cansado da sua aventura pela segurança da sobrevivência.

Então, criou coragem e dele me deixou aproximar.

Tão pequenino…e já encarava a vida de frente!

Senti que aprendia muito cedo, às duras asas débeis e machucadas, que toda vida sempre é refém das fatalidades.

Eu…prontamente compartilhei do seu sentimento.

Olhava para mim como quem, impotente, olha para todos os predadores dos tempos, submisso a todas as forças dos destinos.

Conversamos na linguagem dos olhos, embora eu tenha tentado lhe transmitir a doce e universal linguagem da poesia...a que salva.

Senti que, aos poucos, se acalmou e ambos olhamos acima para nos fazer enxergar à mãe passarinha que alto sobrevoava sem conseguir avistá-lo.

Então, consegui meu intento: aconcheguei-lhe entre minhas mãos, quando pude sentir que seu coraçãozinho, aos pulos, já se assentava na calma dum fiel acolhimento.

Olhou sossegadamente para mim e me soou um pio de agradecimento quando, na linguagem dos passarinhos, eu lhe acolhi com o mesmo sentimento de sua mãe:

“calma, eu não vou lhe fazer mal algum…já passou…”