eternidade

a Eternidade? Pois bem, ela está no amor. Está em cada suspiro, angústia e bobo riso; no voltar exausto para casa, encarando a própria imagem no reflexo de uma janela, a constatar o brilho nos olhos e a desejar que todo cansaço fosse aquele cansaço. A Eternidade das palpitações, da gastrite, da febre, da bexiga apertada, palmas suadas – tudo ao mesmo tempo, num corpo plenamente saudável. A Eternidade do costume, o hábito da expectativa, o gosto esperado, a pressão certa das mãos, o mapa tantas vezes lido e relido do corpo que não mais surpreende – ainda assim cativa pela mutabilidade inconsistente do que é humano.

que bela Eternidade, esta, que se arrasta em dias mornos e ensolarados, nas noites de ventania, no orvalho do amanhecer outonal; que também existe num segundo de olhar, na respiração entrecortada, na secura do não ter o que dizer, na angústia de um futuro que talvez nunca venha. Que horrível Eternidade, esta, que no ontem se apresentava como a própria constituição do corpo, mente e espírito – base da Trindade indivisível, base da essência própria –, e hoje não restara nem uma gota, apenas uma bruma de memória, longe, longe, batendo no acostamento das areias do cérebro, a supor se o novo há de virar o antigo...

o constatar perplexo de que a Eternidade escoara pelos ouvidos, quem sabe naquela madrugada chorosa, onde o rosto explodira em pranto, as veias arroxeadas e saltadas na pele avermelhada-raivosa, pálida-medrosa, amarela-adoentada; paleta dos que amam. Quem sabe fora levado, senão por aquele golpe certo da palavra dura, por esta indiferença do previsível que açoitou os nervos sensíveis, transformara-os em aço, envidraçou os olhos, retraçou a boca; fruto podre da árvore do dia a dia.

houve algum momento diferente deste? – pergunta-me a mente, desenhando na areia os contornos de certos cabelos, a maresia cheirando a algo que não era mar. Tu sabes a resposta, disse-lhe, na impassividade perante os fatos, se é que as elucubrações e reflexos marinhos de uma memória oceânica poderiam constituir um par ou outro de elementos verídicos. Distorcida e pragmática, chora a mente, no agridoce de uma nostalgia que parece que não lhe pertence, cônscia de que jamais será quem fora, e que a saudade de agora um dia também será concha arrastada pela maré, o amanhã nasce, sempre nasce, sempre há de nascer, parafraseia o Pregador o quanto quiseres, a vida é mais dura que a palavra... ai, a Eternidade! Balbuciam, os olhos fixos no horizonte, as ondas respingando em nossos rostos vagos. O gosto era de suor, lágrima e saliva que não nos pertenciam naquele presente: eram fluídos de um passado e de um futuro, quem sabe inventados.

brindei à Eternidade, que levara consigo até mesmo o esquecimento. Abençoada seja.

Zéfiro Alves
Enviado por Zéfiro Alves em 08/02/2019
Reeditado em 08/02/2019
Código do texto: T6570307
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