LUZ PRÓPRIA
Calmamente, as nuvens se deslocam de um extremo a outro da esfera celeste.
Levitada, a Lua Nova observa a tudo passivamente e muito melhor do que se possa imaginar.
O Sol, brincando de esconde-esconde com a esperança, foge com seu ouro ofuscante, acenando um até-amanhã para a platéia de jovens numa praça privilegiada de São Paulo.
De repente, o vento se torna mais fresco e quase todos, satisfeitos, surpreendentemente aplaudem o espetáculo gratuito e espontâneo que acabam de presenciar e tomam, enfim, seus rumos.
Ao lado do vento fresco da praça, abaixo da Lua Nova e ao plano das nuvens em silhueta no horizonte, escolho permanecer, solitário mas solidário ao desenrolar que apenas se inicia.
Aos poucos, a treva avança pelas minhas costas e agora me intriga o fato de a nossa atmosfera não possuir luz própria a cintilar pelos vazios de nossos caminhos, pelo silêncio de nossas indecisões, pela frieza de nossas relações.
Intriga-me o fato de necessitarmos de uma estrela brincalhona para nos aquecer, logo a nós, energia pura.
Intriga-me o fato de anoitecer e as cores apagarem.
Cachorros da vizinhança agora latem ao menor ruído.
Todas as falsas luzes das mil ruas que avisto começam a se manifestar.
As pessoas se tornam mais apressadas em seus itinerários.
O horizonte, pairando acima desses detalhes, prossegue com seu palco ocupado, não pelo Sol mas por sua luz, projetando faixas com tonalidades lindíssimas de azul, amarelo, vermelho e prateado, furando a ameaça de negro do céu, fazendo brilhar a face nova da Lua, realçando nuvens, guiando pássaros, aviões e espíritos fugidios, banhando minha imaginação e extasiando minha alma.
Eu, visionário iludido por cores e céus, procuro em volta as energias das pessoas ao alcance de minhas mãos, querendo acrescentar nossa luz ao palco desses eventos extraordinários.
Então, ingênuo na busca, sou absorvido pela noite. Momentaneamente, mas o suficiente para contatar com rostos tensos, longínquos, levando seus veículos pelas vias marginais, atravessando pontilhões em direção a cruzamentos comandados por coloridas e artificiais luzes. Rostos inexpressivos, apagados, revoltados ao perderem tempo com o trânsito, com as outras pessoas, com a vida. Rostos incomodados ao sentirem-se personagens de minhas observações.
Inconformado e sem jeito volto para casa, ao lado do céu e paralelo às pessoas, enquanto a estrela brincalhona se diverte, escondida, tentando explicar algo que não me intriga mais.