Viagem
Santa Rita/São Paulo
No café da estação rodoviária,
quiz provar do próprio veneno, pegar um livro, ler alguns poemas, mesmo que fossem meus, surpresa:
Nenhum livro na pequena biblioteca que instalamos para incentivo a leitura.
—- Oxalá devolvam, disse o bibliotecário, digo dono do café.
Oxalá leiam, disse eu.
Pecado é roubar e não poder carregar.
O que o senhor disse?
Disse, o pecado seria levar o livro e não ler.
Na próxima semana trarei mais livros.
Que bom.
Até.
Muntei no blue bird, saímos estrada afora.
Veio a tona lembranças dos velhos tempos, tempos da juventude em que a velha via Anhanguera era o o rio negro de pedras que ligava São Paulo a nossa Aldeia.
Gostávamos de nos imaginar aventureiros, marinheiros, em busca de novas terras, outros mares.
Santa Rita era o cais para onde sempre voltaríamos para costurar nossas velas, reparar cascos.
A velha estrada-nos levou para Sao Paulo, Sao Paulo nos levou à outros mares, outros mundos.
O tempo passa , o viajante volta e já não encontra a sua cidade, ela não é a mesma da sua infância, mas ele se da conta de que ele também não é o mesmo.
E ele diz ao homem do café,
Eu morei em uma cidade que também se chamava Santa Rita.
Sai do café e caminha pela vizinhança, curioso, olhando para todos os lados, é maio e o sol obliquo da tarde dourada entra pelos seus olhos, um vento friozinho lhe arrepia a alma e de repente, ele começa a ver as ruas da sua infância, e recordando que foi ali que...., foi lá o primeiro beijo,
nesta esquina, na volta da escola, nossas sombras de mãos dadas;
Ah! Ali, o Cinema encantado , a velha biblioteca, os livros de Hesse, que o acordaram para o mundo.
Sua cidade estava bem ali, entrelaçada com as outras cidades que ela havia se tornado.
Uma ruazinha, um muro velho e nele um aviso de utilidade publica:
Por esta rua, passam mil ruas, cada um segue na sua.
De repente , um cochilo, um solavanco, uma freada seca, ele acorda e pega seu livro que tinha caído .
O passageiro do lado esticou o olho, e leu quase para si mesmo,
Cidades Invisíveis,Ítalo Calvino.
Nunca li um livro. Sobre o que é a história?
Ele abre o livro e começa a ler em voz alta, e outros passageiros se aproximam para ouvir também.
Lê de novo este trecho! Lê. Pediu alguém.
Era a parte em que o grande Khan,
diz a Marco Polo , Você já me contou sobre centenas de cidades, mas nunca me contou nada de Veneza, sua própria cidade.
Marco polo responde pronta e respeitosamente:
Ó! Venerável, quando lhe falei das outras cidades, era de Veneza que eu estava falando.
De repente o ultimo pedágio, o pico do Jaraguá, anunciando o fim desta viagem.