FALENCIA

Escorada no vão da porta principal de entrada ela assistia a rua evoluindo no barulho e na fumaça, enquanto estava de costas para o que desaparecia no abandono.

O seu vestido era fino e como se desaparecesse nas estampas sem formas; ah, ela continuava aos poucos sem mais nada lamentar.Que tudo se acabasse tão lentamente a cada pôr e nascer do sol.

Era quente o dia com sol se recortando bem próximo, a tão pouco já havia lambido ela.Que não desistia!

Todos assistiam ela e ela assistia a todos.

O céu já não era tão azul, e o cinza fazia parte de um céu limpo que não conseguia mais ser o mesmo.

O vento seco e quente cortou-a e ela sem se sangrar nem se doer viu apenas o vestido se mexer como uma cortina.

Que não desistia, mesmo dando as costas para o que esperava que acabasse no abandono e no desprezo.Não desistia, e mostrando uma felicidade tão angustiante num sorriso não expresso no rosto, todavia colado na face como um sutil desejo de escárnio.

Ela acreditava secar ao vento que carregava as horas, que era o próprio tempo que levava o azul do céu e tornava tudo tão distante e outrora.

Meu Deus ela chorava mesmo não largando do rosto aquele sorriso velhaco de escárnio de quem mesmo nem estar ai...

Nada podia fazer mesmo, por mais que fosse forte, que valesse a dor e o peso de ter útero, é que a poeira cinza vinha com o vento seco e árido.Tomava as coisas e ela mesma era tomada, e sentia nos cabelos e nos pés enquanto via o céu tão drástico se transformar.

O céu cinza sem nuvens: limpo.Aviões tão pesados cortavam a nuvem densa e transparente da poluição.

Os pássaros ainda tentavam resistir num canto pernóstico como o riso de escárnio de quem não estar ligando dela.

Que não desistia, que não desistiria nunca.Ela esperaria a cada pôr e nascer do sol que tudo se acabasse: diluindo-se, desmanchando-se como manteiga ao sol...

O sol sangrava as tardes e tudo era ruído sonoro para um crepúsculo vermelho sangue em que as coisas se diluíam bem a frente de todos.Fingia-se não ver como ela fazia dando as costas para as coisas que pareceram significar, outrora, alguma coisa.

Quem desistiria, se era bem mais prático cruzar os braços.

A noite era apenas um estio pálido que alguma coisa de leve podia-se acreditar, sonhar, sendo tão sutil que era quase desperdício aproveitar e ela bem que - por misericórdia de si mesma e um pouco sem querer – aproveitava.

E ela continuava assistindo, e na negra amarelada noite dos postes, era transparente no vestido fino.

Pareceu que tudo parara.Nenhum vento sacudia as folhas moribundas das árvores, que esqueciam até de morrer.Nem o grito dos morcegos pelo negro céu que gritava sem se ver estrelas.Nem um pio de uma coruja por mais distante que fosse.Que fosse por desespero.

E aquela que não desistia.Ela sentia os seios oscilando, ao quão mártir era o ventre sofrendo por suportar o útero que fazia compreender as coisas tão dentro das próprias coisas sendo além de coisas.

A criatura se acabava, e era inútil desfazer-se de sua sui generis porque ela nunca se tornaria tola e mola.

Sentia vontade íntima de gritar mesmo que fosse para dentro, porém tudo era abafado: era sempre uma bomba que acabara de cair e só se ouve o silêncio antes da explosão e nunca a explosão.

Sinistro...

As coisas com o vento que leva o tempo ao meio de tanta poeira e traz o nascer e ao pôr do sol, faz a cada instante se tornar o outrora, e tudo se dissolver tão lentamente que não se alcança o derreter.

E ela não desiste como que desprezando; o sorriso de escárnio fixo ao rosto empoeirado e lúgubre aos poucos, as lágrimas tão ocultas no útero que ela sente íntima e profundamente; as lágrimas cortam e fazem doer mais que o sorriso forçado.O sorriso forçado e sempre dolorido.

Os postes de concreto frios e quando apagados, por não perceberem a vida, sorriem e como sorriem...

Ali ela fica tão corajosa como uma estátua cheia de pombos repousados.Ali ela fica esperando tudo se desintegrar na atmosfera carregada e ácida do tempo que passa carregado pelo vento, más não morre.

Mas ela morre...e isto, um dia é sorrir.

AUTOR:RODNEY ARAGÃO