Ilhada Dentro de Si - Rememorando o não narrado

Respirava com a ajuda do Bipap, ventilador adaptado para conduzir ar aos pulmões de Leônia.

Ia e voltava um barulho quase irritante, preenchia todo quarto; que se resumia na instalação de um leito de hospital, a paciente, o armário de furinho com remédios e apetrechos que davam suporte aos cuidados, e os equipamentos de assistência à respiração .

Naquela tarde, a paciente e a irmã conversavam no quarto por telepatia e gestos, somente alguns gemidos e sorrisos abafados chuviscavam em meio a barulheira.

A enfermeira do horário estava na cozinha preparando o recipiente com o alimento enteral para troca, que seria adaptado no conector implantado no abdome da paciente, permitindo o transporte do alimento ao estômago.

A irmã conversava sobre os últimos acontecimentos do trabalho, aquele era o primeiro dia de férias, tempo que havia planejado para estar com a irmã no processo de enfermidade.

Três horas da tarde foi o momento. Silêncio repentino percebe-se no ambiente, a enfermeira corre para o quarto para ver o que acontecia. Entrou apavorada, ela e a irmã procuram entender o ocorrido, conferem os conectores dos aparelhos instalados entre os aparelhos e a abertura no pescoço de Leônia, e aqueles que conectavam a energia. Tentaram acender a luz do quarto, e nada.

Estavam sem energia elétrica. Leônia imóvel estava, assim permaneceu, dentro, foi às últimas consequências. Sabia que sem energia, era impossível ter ar para auxiliar os pulmões a funcionarem.

Um pouco no atropelo, quiseram se desesperarem. Nefertite conversou com a enfermeira, ligaram para a equipe que prestava assistência médica via Home Care a Leônia em sua residência. Disseram que não encontravam outra alternativa a não ser que fosse acionado a Companhia de Energia Elétrica, para pedir brevidade no retorno da energia.

Ligaram no S.A.C., informaram que a energia retornaria somente depois de duas horas, a região estava tendo reparos na rede.

Nefertite viu que a situação saiu do controle, que poderiam usar o ambu, um respirador manual, mas não por muito tempo, haja visto que a saliva que Leônia acumularia, demandaria aspirar a traqueia, para evitar engasgo e sufocamento.

Leônia sabia que estava na iminência de ter que viver o tudo a perder, tinha ouvido, visto toda a movimentação. A única vez que ficou fora do Bipap, depois que tinha submetido ao aparelho, foi quando teve que fazer cirurgia no Hospital para implante da sonda gástrica, que não durou mais que uma hora, foi ambuzada em todo período, de saída do quarto, durante a cirurgia, e no retorno.

Lembrou, que o médico cirurgião, quando informou que haveria necessidade da cirurgia gástrica, e do desligamento do aparelho temporariamente, e o uso do Ambu, dependeria muito do emocional de Leônia para evitar o aumento excessivo da secreção e salivação. Caso não conseguisse, e houvesse a necessidade de aspirá-la no meio da cirurgia, estariam longe do aspirador, isso implicaria risco de vida.

Nefertite, no quarto silenciado, numa situação extrema, olhou para a irmâ , que entendendo o olhar, disse:

___Leônia, agora é somente você e Deus. Iremos te ambuzar, teremos que aguardar a energia voltar.

Leônia foi para a não localidade, aquele que a conectava com a Fonte Imorredoura. O respirar, como na ocasião da cirurgia, passou ser Uno com a vontade de viver, na certeza que seria garantida por aquele que a havia constituído. E o Ambu sendo manuseado, ora pela enfermeira, ora por Nefertite.

Às vezes riam, noutras, permaneciam em silêncio, os minutos foram passando. Daí algum tempo, bate na porta de casa, era a amiga Loura.

Chegou chegando, quando percebeu que estavam sem energia, e Leônia no ambu, quis assustar. Mas depois, tudo virou festa, contou piada, choraram de tanto rir.

Até que ouvem o aparelho ligar novamente, depois de pouco mais de duas horas.

Até que Leônia foi aspirada, e reconectada ao Bipap.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 23/01/2019
Código do texto: T6557904
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