FRAGMENTOS E CISMARES 11
[QUANDO A GENTE GOSTA É CLARO QUE A GENTE CUIDA...]*
Invasiva é qualquer relação que nos preenche de tristeza e dor... que violenta nossos sentimentos.
O que são as pessoas? Do que são feitas? No que se transformaram, afinal? Os amigos, os amores, colegas, familiares, vizinhos, conhecidos?
Descoraram.
Ao invés do viço, o vício de serem gris.
Venho batendo sucessivos recordes de frustração. E noto que suas tristes consequências tornam-se maiores, mais frequentes e rotineiras.
Sinto-me como um cão que roda em torno de si mesmo tentando alcançar o próprio rabo. E cansa de rodar e tenta num outro momento e cansa novamente e... Já pensa que aprendeu, que desta feita será diferente e descobre que esqueceu... Volta o cão biruta com seu rabo, olhar castanho
de decepção.
Sou mais do que uma estranha em busca, eterna, da minha própria identidade... sempre com uma variante pela frente, um destino que não chega nunca, um percurso que não se completa. Ir e vir num labirinto, cortado por sinuosidades e atalhos... Às vezes cansa-se do pó da estrada.
Os vazios crescem dentro da gente quando não se tem
identificação com o que nos cerca, empatia, sintonia, quando não se ouve qualquer eco para nosso afeto gratuito. O gostar só por gostar. Sem pompa. Sem definida circunstância. Sem motivo. Gostar do mesmo modo como se gosta de soprar os pompons dos dentes-de-leão, deitada sobre a relva, seguindo com o olhar o desenho das nuvens ou apontando uma estrela cadente... como se gosta de sentar à beira de um regato entre as árvores e colocar os pés descalços na água fresca... gostar e sorrir e gargalhar sem razão, como fazem crianças que nunca antes se olharam mas que dividem um momento no parque, lambuzadas de sorvete de chocolate, as mãos meladas...
Gostar. Porque essa é a maior graça da vida.
Eu gosto de quem gosta de gostar!
(É tão difícil que se entenda isso? Que se saiba o que significa? Que não se encare ressabiado o gesto carinhoso do outro? Gostar caiu de moda? Virou agressão?)
Olho para as coisas, para as pessoas, para os lugares, para as atitudes e me sinto estrangeira! Um estranha e esquisita mulher vagando por entre o que em nada se parece consigo, com seu jeito. Um ser sem partilha de bens nem histórias.
Nessas horas me bate a solidão.
A solidão de uma alma alienígena, de origem desconhecida, sem saber o que fazer com o que sabe e sente. Alma assustada e só.
Passo meditando. Observo e nada compreendo.
Até quando acreditarei na promessa dos dentes-de-leão?
[para uma amiga de quem gosto muito, mesmo quando ela não se lembra disso e me interpreta mal... É uma ave machucada.]
*Verso da música do compositor Peninha.