Aldegunda
Meus papais a consideravam uma garota comum,
mas os olhos me revelavam o contrário
sempre que a via nas manhãs ensolaradas,
levando o saco de lixo para fora de sua casa.
Aldegunda era o terrível nome dela.
E o nome não fazia jus a sua beleza
de menina desenhada com sardas,
que aos dez anos parecia uma alteza.
Como mágica, vi minha vida transformar-se.
Por ela, aos nove anos, quis virar homem.
Juntei várias latinhas, garrafas, pela rua
e vendendo as sucatas na reciclagem,
quis uma casa para morar com Aldegunda.
Contei os meus planos para mamãe
e que já havia juntado vinte reais.
Pedi para irmos comprar uma casa,
mas rindo com lágrimas ela se foi,
contar tudo a meu papai.
Papai, à noite, veio falar comigo,
de mansinho no quarto entrou.
E me trazendo na caneca de urso
um leite quentinho com today,
deu início a seu longo discurso.
Contou que meninas não escovam os dentes,
vivem sempre ranhentas, chorosas
e além de serem criadouros de piolho,
são um bocado escandalosas.
Mas mesmo sem a benção dos papais
não desisti de minha Aldegunda.
Para ela daria meu melhor carrinho
depois de convida-la para fugirmos,
passando os dias na casa da arvore,
felizes para sempre seríamos.
E então na manhã do dia seguinte
bati no portão de minha Aldegunda.
Gritei o nome dela com alegria no peito
e a mochila cheia de doces na cacunda.
Ela abriu o portão da casa meio sem jeito
e logo a chamei para fugirmos,
pois a casa da arvore nos esperava
Abarrotada de brinquedos.
Mas Aldegunda, minha alma gêmea,
saiu choramingando e gritando “papai”.
Ela contou tudo para o velho barrigudo
que, furioso, conseguiu correr atrás de mim
com uma cinta na mão e o rosto bicudo.
À noite, com machucados da cinta,
peguei minha caneca de urso
cheia de leite quentinho com today
e fiz a papai meu pequeno discurso.
Disse que, agora, não me casaria
com Aldegunda e nenhuma menina,
preferia minha bola e computador.
Mas não revelei para papai a verdade
que, tudo isso, era por que eu sofria
a dor de perder o primeiro amor.