Estamos em pleno mar...
Foi um deslize!
Apenas um deslize de desbloqueio de tela e lá estava eu. Estávamos nós.
Estamos e estávamos, exatamente nesta mistura de tempo porque não sabemos mais do presente, e até mesmo ao pretérito viramos as costas.
Criou-se um novo tempo verbal; um presente imperfeito.
Caímos na rede!
E nós seremos o almoço deles!
Estamos inflados - peito de pombo-rei se exibindo quase que de gravata borboleta- porque sabemo-nos tão informados, articulados e politizados, que mal enxergamos os nossos pés ali, caminhando sobre uma fina corda-bomba que nos separa milimetricamente da estupidez mais primitiva.
Estamos na rede!
E nós somos o almoço deles!
Enquanto nossos dedos correm frenéticos em busca de armas que desarmem o outro, nossa ignorância vai engordando, ganhando busto, músculos, vai ficando fibrosa, crescem-lhe os cabelos e as unhas, mas os ouvidos vão ficando fadados ao exercício que lhes cabe.
Os olhos vão ulcerando a imagem alheia e só se vê por conveniência.
Conveniência e conivência com o que liquida o mundo, mas acreditamos, na mais plena sordidez, que não nos atinge.
A estupidez bate no peito e brada.
Tira da bainha a sua mais fina espada, polida e moldada sob um lampejo odioso.
Ela nos aponta!
Aponta sua sede de razão aos olhos de Freire.
Frente a frente, olho e lança, numa dança magistral.
A lança deseja fazer dele um Visconde Partido ao Meio, mas bem sabem os leitores de Calvino que Medardo Di Terralba só fez-se maior depois de viver as agruras de cada uma de suas metades.
Mal sabem os leitores das correntes que se lançam nas redes, que Freire quis estender luz às tantas metades pelo mundo, para que não estivessem hoje como nós, sendo devorados numa carnificina intelectual, histórica e social, que é mais grito do que reflexão. Mais vociferação que diálogo. Mais achismo que História. Que é mais distante do que o pretérito que fazemos questão de varrer para debaixo das nossas certezas contemporâneas.
Estamos na rede!
Nós engordamos a nossa estupidez
e viramos o almoço deles.
Freire?
Segue mirando a ponta da espada num dançar delicado. Ele sabe que lançar a sua luz pode deixar o outro desarmado.
Ele segue " sendo ", assim, no gerúndio, e nós, já nos julgamos prontos.
Nem as linhas de Shakespeare poderiam narrar tamanha tragédia.