Debaixo d'água
A verdade é como uma rocha amarrada ao pé da existência, puxa para o fundo, ao limite daquilo em que estamos submersos.
A verdade exige a mudança, a adaptação.
Embaixo da água, com os pés presos à verdade tão evidente, o corpo inteira vibra em agonia, sem oxigênio.
Achar o meio de conciliar a vida com o significado daquilo que se faz é o grande dilema adaptativo.
Enquanto não faz sentido a ação, não faz sentido o ambiente, não faz sentido o caminho nem o caminhar. Assim, embaixo d'água, o pulmão se enche de líquidos.
Respirar!
Viver!
O corpo se debate violentamente, por dentro e por fora, tentativa de resistir ao horror da morte se aproximando.
Embaixo d'água, o tempo é diferente. Segundos são anos.
São anos de digladiação por sentido.
A matéria do corpo vai decaindo aos poucos, o rosto e mãos se esquecem da juventude, deformando-se em manchas e marcas; as células em que habitam os quereres morrem, sem ar.
Como uma eternidade inteira, um pulso de milhares ou milhões de séculos ainda parece resistir abaixo da superfície.
Tudo se move ao redor.
Ouvem-se e veem-se as vidas adaptadas, seus risos e choros, enquanto ainda não liberto, pesa a pedra contra o corpo.
Em alguns momentos, ficar sem ar apresenta-se como uma dor módica e perene e, em outros, é o próprio instinto mais animalesco de medo e de fuga.
Cada átomo de matéria parece querer escapar do abismo, para aplacar a disjunção.
Então, mais um momento passa e a carne se reacostuma ao sofrimento.
Longa a permanência nestas águas, pés presos à pedra pesada.
A vida ao redor segue bonita, se inscrevendo na história.
Enquanto isso, no meio da praça pública, há um corpo suspenso no líquido, invisível.