O anjo da caixa

Não ouse tirar esta tesoura das minhas mãos.

Será que você não entende?

Veja as minhas asas.

Elas simplesmente crescem.

Maldita é toda esta plumagem!

Luto com todas as minhas forças,

porque não as quero!

Prefiro estar á margem.

Porém,

todo santo dia é a mesma coisa....

Por que não desaparecem?

Estão em conluio contra mim.

É assim que elas agem!

Por favor, pare!

Não quero que me olhe assim.

Nada de ter pena.

Pena de mim!

Deixe-me, preciso continuar cortando...

Esta é a minha guerra.

É muito mais que um dilema!

O que me importa se já não desaparecem.

Olha, não quero ser tão repetitiva.

Mas dá para virar a tua face?

O teu olhar me incomoda.

Não faça isso, nem pensar!

Vá tirando as tuas mãos desta corda.

Quem lhe disse que eu quero me libertar?

Deixe assim como está.

Pois saiba que não irei mudar!

Fique tranquilo,

o meu caso de ódio não é com você.

É com esta tesoura.

Não queria lhe dizer.

Por isso, te falarei bem baixinho:

Tem horas que eu até gosto delas.

Passam uma sensação de leveza.

Contudo, sei que é apenas uma ilusão.

Asas foram feitas para pesar.

Continuarei a negar.

Negar que me tragam prazer de viver.

Deixa está, logo resolvo isto.

Vou acabar com estas penas.

É tudo o que me importa.

Não tem mais volta.

Eu me entreguei a revolta!

Dane-se o sol.

Não passa de mais um atrevido!

Veja só, está se achando.

Todos os dias chega até mim.

Tem as vestes lindas de um pregador.

Se atreve aos meus ouvidos.

Fala-me do mais puro amor!

Será que não vê que não quero?

Eu grito, me desespero!

Vago neste labirinto....

Já não encontro os meus elos!

Nem sei mais se os quero (?)

Porque já não consigo,não me sinto!

Só queria me ver em algum porto.

Tudo isso me aborrece.

Navego pela tempestade...

As águas vem, me invadem!

Sou os restos de um naufrágio.

Uma presa indefesa deixada em uma Ilha.

Vou morrendo assim, dia a dia...

Eu já não encontro a alegria!

Deixe-me a sós.

Não quero saber dos teus versos.

Ninguém pagará pela minha fiança.

Não tenho mais esperança!

Por mim a vida passa...

Não, não passa!

Deforma-se, me amassa!

Fico aqui, prisioneira nesta caixa.

Vai-te a minha idade.

Vá a frente,eu, atrás.

Sou um ontem?

Sou um talvez?

Ou um nunca mais?

Não sei!

Nada mais que sinto tem graça.

Só esta dor me abraça.

Queria poder me mexer, me ver!

Mas de onde veio esta faca?

Tire-a de minhas mãos.

Eu te odeio,solidão!

Faz me sentir tão fraca.

Não consigo entender?

Por favor,tente me dizer!

Quem pôs em mim esta mordaça?

Quem é que me cala?

Bem que eu queria...

Amaria pisar novamente este chão.

Mas ir lá fora?

Ah, isto não!

Definitivamente,não!

Obrigada,quem sabe uma outra hora.

Agora saiam vocês dois.

Tenho mais penas a cortar.

Não quero ninguém para me atrapalhar.

Podem levar o meu sorriso,

também este porta-retratos.

Eu já não preciso!

Hoje não quero saber de memórias.

Ficará apenas eu e o meu quarto.

Já não sei mais onde estou?

Vejo-me perdia na minha própria história.

Tal como um fantasma, vago pelo meu passado...

Perambulo por um presente tão ausente...

Eu só queria poder calar minha mente!

Porém,não consigo.

E assim, eu sigo...

Sigo negando a qualquer afago!

Tudo é tão vago....

Ausente de qualquer sentido...

Tornei-me um espectro em perigo!

Às sombras, temo a força dos raios.

Não perca seu tempo tentado me esclarecer.

Pois será que não vê?

Não vê que não estou nem ai?

Que não quero nem saber?

Apenas caio, caio!

Peço agora que saiam.

Fecharei todas as janelas,

baixarei as cortinas.

Acostumei-me à neblina, é minha sina!

Vago perdida no lado escuro da lua...

Por isso,nada que diga me seduz.

Seguirei só com a minha cruz.

Ponham-se todos para fora,agora.

Fora! Fora!

Por que você ficou?

Aliás,eu não te vi com eles.

Como foi que aqui entrou?

O que!

Também tem asas?

Ah!Já entendi.

Então este é o teu plano.

Pensa então reensinar-me a voar.

Que pena!

É,

lá vem as malditas penas de novo.

Sempre elas!

Contudo, não preciso.

Não as quero mais.

Não enxugue minhas lágrimas.

Porque talvez eu não mereça.

Por favor,desapareça!

Tuas mãos,o que têm nelas?

Confesso seduzida pelo seu toque.

Quem dera se eu me amasse!

Até parece que já vivi este carinho.

Teu afeto me faz sentir que não estou sozinha.

Onde estão os meus disfarces?

Mas quem é você?

Seria a minha paz?

Olha,vou logo lhe adiantando,

Eu tenho um rio sobre os olhos!

As minhas lágrimas são assim,

pois não se secam jamais.

Nem eu mesma gosto de mim.

Sem nenhuma pena, me cobro.

Choro esperando pelo fim!

Orar? Não.

Eu já não oro.

Alias, nem tento mais.

Por quê? Não consigo.

Simplesmente não consigo!

Fico atrás,

aceito os meus castigos.

Por favor,

não mexa nesta agenda.

Ela guarda os meus segredos.

Se abri-la talvez faça me sentir mal.

Peço desculpas, mais é confidencial.

Quer então quebrar os meus medos?

Tudo bem,então leia.....

Saiba que não taparei os ouvidos.

Afinal, nada mais me importa.

Talvez eu já esteja até morta!

A garota dessa agenda já não sou eu.

Não passava de um tola.

Era ingênua,altruísta e sonhadora!

Há quanto tempo não releio as suas frases.

Você me plantou uma dúvida:

Quem se tornou peça de museu?

Ela,ou será eu?

É,você conseguiu.

Parabéns,senhor anjo!

Injetou vida nova em minhas veias.

Vejo que é um serafim audaz.

Onde esta?

O que fez com a minha venda?

Por qual motivo a tirou?

Meu Deus!

Nem me lembrava mais disto.

O céu ainda é tão lindo!

Por favor, quero provar mais desta Ceia..

Um espelho?

Ah! Já entendi.

Quer então que eu me veja.

Hum! Não sei?

Eu ainda tenho receio.

Mas é tão belo o Paraíso!

Novamente o reconheço.

Não quero mais esta descida!

Desperto estão os meus olhos.

Porque aqui levanta esta alma caída.

E isto não tem preço!

Bendito seja o meu recomeço!

Belo anjo,

por acaso é um mágico?

O chamarei de o mágico do espelho.

Por que me transformou?

Onde é que estou?

Voltei a ser aquela mocinha.

É,eu era tão linda!

Linda e cheia de vida.

Mas quem é ela? Não a vi entrar.

Já sei, é mais uma das tuas surpresas.

É para mim? Obrigada!

Espere...

Eu reconheço estes vestidos.

Como?

Ainda tão coloridos!

Como você faz isso?

E estas sapatilhas?

Não acredito!

Também as reconheço.

Eram as minhas favoritas.

Tudo isso me faz lembrar da minha família.

Será que estou vivendo uma fantasia?

Por Deus! Como não a reconheci?

É você! Mamãe!

Então é amiga deste anjo que agora amo.

Já sei,não precisa nem falar.

Peço desculpas pelo meu desleixo.

Mamãe, é que eu ando um pouco doente.

Só um instante,vou ali pegar um pente.

Ah! Como tenho saudades disto!

Mamãe, por favor, me penteia.

Refaça as minhas tranças.

Ainda sou a tua criança.

Meigo anjo,já não me é estranho.

Mesmo que estivesse entre mil outros rostos.

Pois o reconheceria, de novo e de novo...

Deixe que eu afague novamente os teus cabelos.

Ainda estão assim, brilhantes,mais que vivos!

Pai, sempre amei os teus tons castanhos.

Meu Deus!Como é que pude duvidar?

Via-me perdida, sem força para me achar.

Foi por isso que não mais orei.

Uma vez que a morte eu simplesmente a desejei.

Mas agora sei.

Sei o quanto que eu errei!

Minhas duas gaivotas,

obrigado por me trazerem de volta.

Por favor, levem para fora.

Quero sentir novamente o brilho da aurora.

Reaprender a voar, refazer meus elos com a natureza.

Não impedirei mais que as minhas asas cresçam.

Adeus, meus pais, sei que um dia voltarei a vê-los.

Agora tenho certeza!

------------------------------

Autor: ChicosBandRabiscando

Prosa poética: O anjo da caixa

ChicosBandRabiscando
Enviado por ChicosBandRabiscando em 30/11/2018
Reeditado em 12/10/2023
Código do texto: T6516057
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.