Às vezes...
às vezes quando pronuncia a chuva nos fins de tarde venho como se da terra fosse cheiro. venho como se fosse temporal guardado dentro de envelope de cartas dentro das gavetas de antigas casas abandonadas das olarias.
é como se levantasse a infância cheia de poeira e se sacudisse como faz um cão ao tomar banho ao sol. como faz um passarinho depois de banho de chuva na flor.
eu queria mesmo ter ficado tempo contigo na rua que ainda era de chão vermelho, lama quando molhava meu pé grande e plano parecia voar no escorregadio tempo de crescer em carne e sonho.
eu queria ter vivido contigo e caminhado a infância em se perder de vista olhando o pôr do sol. ou ter sido tua irmã. dormido contigo as noites insones de dores que a vida metia em mim. queria ter virado adolescente sob teu olhar, ficado mocinha às horas de teu sorriso. nossas descobertas em contemplação de apenas ser. como as nuvens feito véus abrem um extasiado céu azul. sem lágrimas aranhando a garganta embargando minha voz tropeçando minha fala e teria engolido menos choro, contigo eu teria vivido mais. te entregado meus sorrisos mais gostosamente, ter visto teu sorrir de molhar o meu olhar em face de amanhecer. queria ter colhido tuas dúvidas e abraçado teus vazios. gostaria de ter brincado contigo aquelas brincadeiras todas da meninice e contemplado teus olhos querendo voar. profusamente queria ter comemorado nossos aniversários em épocas de silêncios, riríamos a balde em soturna adulteza e escuridão das gentes. ah, mas eu. eu andava lá pelo mundo da lua. parece até que te conheço em todos os traços e passos e dribles e viagens e claustros.
ah, mas já estou velha e minhas pálpebras se debruçam como um velho ramo de amendoeira na varandinha do tempo...quando exerço a primavera é só um modo de fazer fábula da alma.
por toda infância eu te vejo. como os frutos nasciam e caíam do pé daquela árvore em frente ao casebre de teu habitar. era perto e dentro que eu te queria.
Rio de janeiro, primavera de 2016.