POEMA-PROSA EM UM SÓ ATO-A BUSCA
Não trabalho para nenhuma empresa, caro leitor.
Trabalho para a poesia.
Faço escavações em olhares em busca de naus que navegam
no mar de pensamentos, jangadas de delírio e barcarolas
de veleidades que satisfazem egos que se alimentam
de pedaços de palavras que se partem contra as rochas.
Não tenho visto nenhum pirata ou navegador;
se escondem nos compartimentos secretos e de lá espiam
os acontecimentos da vida diária, inquietudes, movimentos
marítimos das almas, mãos que se estendem e tocam
as coisas que a todos pertencem, abrem cadeados
de atos que nunca se repetem.
Comecei reparando que havia um Império dos Olhos e, todos,
que enxergam ou não, vivem sob suas leis e repetem olhares
que se justificam como doces ou odiosos.
É pelo olhar que recebemos o facho intencional diretamente
nas íris, que penetram como lâminas luminosas banhadas pelo sol.
O corpo, com todas as facetas geométricas que lhe compete,
não recebe os olhares do próprio possuidor do mesmo
já que lançar o olhar em busca de pontos de fuga
é mais dominador e menos sub-dominante.
O esquecer de si remonta à criação do universo já que,
esquecido de esquecer de sua criação, o suposto criador
não saberia dizer a forma de cada partícula espalhada
e, portanto, só com o olhar sobre cada coisa poderia
denominar e escalonar cada um dos pedaços espalhados
na planície de sua própria mente.
A criança que vê o brinquedo pela primeira vez procura
reconhecer no parque de suas próprias diversões
aquele objeto para, enfim, brincar consigo mesmo.
Ao fazer tal ato repele o que é externo à sua atitude
eliminando o mundo ao redor, recorrendo aos olhos
para buscar algum sentido a si sobre tudo
que não vive dentro de suas cercanias mentais.
Ao crescer, a criança monta seu quebra-cabeças
muitas vezes de forma fixa, não move uma peça sequer de lugar, permanece em estado de letargia oftálmica e assim vive
sem se dar conta da ruína da matéria que provoca
mudanças só perceptíveis a quem utiliza de seus sensores
mentais mais sofisticados.
Melhor seria supor que a mente tivesse braços para alcançar
objetos de seu interesse, que o toque trouxesse conforto
e alívio a quem vive seduzido pela solidão.
Quantas pessoas sabem de seus movimentos internos
e saem às ruas em busca de lojas que lhe vendam peças
que cubram este pequeno teatro composto de palco
e um só expectador, mesmo que sejam tecidos diáfanos
que revelem silhuetas de pensamentos.
Saber que em si mora o esconderijo mais oculto
é um gomo da satisfação, ainda puro, do mosaico vivo
que reveste o corpo mental erigido após o nascimento.
Sair de tal esconderijo provocou o nascimento da tragédia
que acompanha o homem em toda a sua trajetória
e o colocou no topo das tragédias humanas
que se repetem e se repetirão ao longo do curso da história.
O homem que não dorme acumulou sonhos mais
do que é possível sonhar, atinge estado de velocidade
mais rápida que a luz, se comporta com um fio elétrico
tocado pela água da chuva em busca de emissão
de sub-raios sem medição.
É pelos olhos que deixa escapar o excesso de divindade,
devolve ao mundo escuro os espasmos naturais
da gestação do criador, este que gerou a própria mãe
e o próprio pai, ambos reconhecidamente inexistentes
na forma material.
Seríamos todos espasmos da dor e da letargia
se o movimento que habita o centro de cada partícula
transgressora não se auto-replicasse até atingir a volatilidade
e o toque multiplicador que põe fim a todo impedimento de evolução.
Sabemos, hoje, deste mundo maravilhoso, mas que ainda
é repelido pelo exército de atitudes controladas que o cerca
deixando-o nas cercanias da cabeça, apenas através
dos olhos se manifestando, o que é muito pouco
para um imenso mundo de reações atômicas
e de poderio ainda não sabido.
Através da arte o homem pulsa este mundo e o oferece
como habitat da pesquisa de muitos que se sacrificam
pelo oráculo da viva percepção orgânica.
Ao tingir uma caverna ou um pedaço de papel ali põe
as expectativas renascentistas ou meramente decorativas
do momento de pulsão, o que revela o vulcão que existe
e que espera arrotar sua larva criadora em direção à superfície.
Cada escultura que atravessa as paredes de oxigênio
que a circunda traz à tona as faces dos senhores do oculto
que se movem entre sombras e sonhos esparsos.
O homem que se coloca diante de espátulas e martelos
reconhece suas partes separadas e as juntam num espetáculo
mágico de ventre e forma abstrata.
O mesmo ocorre com aquele que todos os dias revolve a terra
em busca de contato mineral para a reprodução dos filhos
da mesma como se pai fosse do que no prato
será servido como alimento.
Certa parte da humanidade que ainda não se completou
espera por resoluções que passarão por mãos de homem que,
chamados de artistas, revelarão as medidas da nova sociedade
que se gesta internamente na mente do universo pulsante.
A maior força mutante dessa nova sociedade vem dos homens
que trabalham com as palavras, material que é o tutano
do pensamento humano, e que fará o trabalho final
para o nascimento da nova mesma raça.
Em geral são ensaístas que provocam debates
e reúnem considerável parte da sociedade em torno
de temas ainda em estado fetal.
Os provocadores rompem as letras com suas adagas linguísticas
e espalham pedaços por sobre os espaços culturais obrigando
a serem pensados como lixo cultural ou luxo mental
em devido estado de entendimento.
Por fim, os poetas.
São seres que trabalham em áreas restritas e tem acesso
sem o passaporte comum e necessário a homens
que queiram viajar entre mundos.
Por entrarem em cavernas mentais de alta profundidade
desenvolveram um sistema de respiração que proporciona
a eles o tempo que precisarem para uma pesquisa
que se complete e se revele através de seus escritos.
É com seus olhos que observam esguios movimentos
dos fios condutores que revelam aspectos do nascimento
da voz e de sua gutural expressão.
Esta voz que nasce no primeiro movimento do universo pode ser vista
pelos olhos dos poetas, reconhecida como partícula da primeira poesia,
límpido espelho recoberto pelo sangue dos versos que se espalha sobre
cada coisa que chamamos coisa, comida abstrata dos poetas,
estes que receberam o primeiro chamado e reconheceram
a mãe de todas as palavras, uma senhora chamada Poesia.