Minha rua...
Nada a obrigava à fidelidade já que os olhos estavam cerrados.
Deixou-se adentrar num mundo que parecia familiar.
Deu-lhe nova roupagem, segundo comandos de voz mansa vinda de fora (ou seria de dentro?)...
Antes era a lua: prata, redonda, gigante, suspensa no céu.
De mãos dadas, o astro rei. Sorridente, enamorando alegre cortina de todos os dias.
A rua era especial, especialíssima!
- Cores? Todas.
Vozes altas, correria, mulher de avental sentada na calçada, cachorro magrela invadindo cozinha, peão, chinelo esquecido na areia, marcas de pneu de bicicleta no muro de Dona Maria.
- Vem cá, menino!
Menino, corre mais... deseja ser corredor, quem sabe!
As meninas trocam fácil as bonecas, pela algazarra atrapalhada dos meninos no portão: ferrolho abre, ferrolho fecha... ferrolho cai. Mãe grita muito.
Parecia até que ninguém via as duas bolas gigantes no céu. Apaixonadas. Mas, quando elas começam se afastar... tudo silencia.
Cachorro magrela balança o rabo, compassado. Meninos largam de vez o ferrolho, mulher descansa o pano de prato no ombro... tudo é tomado de um laranja hipnotizante e, hipnotizados, todos, cobrem a rua inteira contemplando o espetáculo.
Sol se despede sem pressa, dando espaço à lua amada (ela brilha mais que antes, toda vez que isso acontece). Prateia tudo...
Aos poucos, a energia se transforma.
Agora é rua vazia. Não tão vazia, na verdade, um par de olhos tenta alcançar o desconhecido... teme um pouco, mas recebe ajuda.
O vento brincava de ventar pros lados de lá... e o empurrava. Som de apito ao longe e até agora ninguém. Da luz do poste, surgiam bichinhos-alados-cantadores e de dentro dos olhos, um medo de não conseguir sei lá o que. Um passo e não estava mais só.