Insatisfação

Nunca me bastou o espelhamento das águas, precisei adentrar á profundeza das marés, tampouco os raios de sol, sem que fosse calcinado pelo calor do fogo. Não me contentei com juízo de homem algum sem que antes sofresse a ira dos deuses.

Nunca o peso da própria existência me impediu de ser carregado pelo ventos, arrebatado pelos afetos e ressucitado pela luz da lua. A mais alta das montanhas não me concedeu vislumbre do mundo como a profundidade da minha alma.

Tudo me parece pouco — efêmero. A iluminação nunca me clareou os caminhos que desbravei seguindo vultos de minha própria sombra. Esses olhos no espelho revelam muitas verdades, todas elas, fragmentos de uma grande ilusão.

Não me contentei em amar incondicionalmente sem que odiasse com a mesma intensidade. Minhas amizades sempre deixaram a desejar — precisei de inimigos ao meu lado.

Não fui inteiro nem quando juntei todos os meus pedaços, talvez estive mais perto disso quando revelei todas as minhas falhas a luz de um dia que já partia. Nunca consegui me abreviar num livro inteiro, ou extender-me em uma só frase; de todos os lugares que já visitei, os mais vazios estavam cheios de gente — e quando desejei intensamente a morte, minhas veias pulsaram nutridas de vitalidade divina.

Nunca me serviu o universo inteiro, pois seu infinito sempre me foi demasiado finito; precisei encontrar em mim, o próprio universo. O começo do meu próprio fim.